STF pode criar entendimento geral sobre anistia a crimes permanentes da ditadura; entenda

Relator da ação, ministro Flávio Dino citou o filme 'Ainda estou aqui' ao defender análise. Se STF adotar repercussão geral, tese vencedora vai guiar processos semelhantes. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar, nesta sexta-feira (7), se deve ser discutido na Corte o processo sobre a aplicação da Lei de Anistia aos chamados "crimes permanentes". ⚖️ Os crimes permanentes são aqueles consumados "ao longo do tempo" – ou seja, que se estendem por dias, meses ou anos. Sequestro e ocultação de cadáver são alguns exemplos. ⚖️ A Lei de Anistia, de 1979, extinguiu a punição para crimes políticos e delitos relacionados praticados entre 1961 e 15 de agosto de 1979. A dúvida é se a lei também abarca crimes que continuaram a gerar efeitos para além desse período. O tribunal vai definir, em um primeiro momento, se aplica ao recurso o sistema de repercussão geral. Se avaliar que sim, a decisão desse caso vai gerar uma "tese" a ser aplicada em todos os processos com o mesmo tema, uniformizando o entendimento da Justiça. Se isso ocorrer, a definição da tese será feita em um segundo momento, ainda sem data marcada. Relator do processo, o ministro Dino é a favor da discussão do tema no STF. Em seu voto, o magistrado citou o filme "Ainda estou aqui" (leia mais abaixo). Relembre a importância da Lei da Anistia durante a ditadura e veja quem se beneficiou dela O processo O ministro é o relator de um caso que discute crimes ocorridos durante a guerrilha do Araguaia — de homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e de ocultação de cadáver praticado por Sebastião Curió, ambos do Exército Brasileiro. Curió morreu em 2022 e, com isso, não há mais punição possível. O processo busca a condenação de Maciel. No caso específico, o debate é: a ocultação de cadáver, por ser um crime continuado, pode ser punida apesar da Lei de Anistia? Na primeira instância da Justiça Federal, a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, sob a alegação de que o delito se enquadrava na lei – ou seja, tinha sido anistiado. A decisão da primeira instância foi mantida no Tribunal Regional Federal da Primeira Região. O tema chegou ano passado ao Supremo, após recurso do MPF. Justiça reconhece delitos durante a Ditadura como crimes contra a humanidade Dino defende punição Relator do caso, Dino sustentou que o crime persiste quando se mantém em segredo a informação do paradeiro do desaparecido. “A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”, pontuou. O relator deixou claro que a proposta não é rever a decisão do Supremo sobre a Lei de Anistia, mas discutir o alcance da legislação para uma situação específica. “O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver”, ponderou. “Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um 'distinguishing' [distinção] em face de uma situação peculiar”, prosseguiu. “No crime permanente, a ação se protrai no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, completou. A decisão, Dino cita o filme “Ainda estou aqui” e fala da dor de parentes de desaparecidos na ditadura. “No momento presente, o filme 'Ainda Estou Aqui' — derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) — tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”, relatou. Lançado em 2024, o filme "Ainda estou aqui" é uma produção original Globoplay ambientada na ditadura militar e concorre a três Oscars. O filme conta a história de Eunice Paiva, que se torna viúva após o ex-deputado Rubens Paiva (cassado pela ditadura em 1964) ser preso para interrogatório, torturado e assassinado pelo Estado. A sutileza na atuação de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”

Fev 7, 2025 - 13:43
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STF pode criar entendimento geral sobre anistia a crimes permanentes da ditadura; entenda
Relator da ação, ministro Flávio Dino citou o filme 'Ainda estou aqui' ao defender análise. Se STF adotar repercussão geral, tese vencedora vai guiar processos semelhantes. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar, nesta sexta-feira (7), se deve ser discutido na Corte o processo sobre a aplicação da Lei de Anistia aos chamados "crimes permanentes". ⚖️ Os crimes permanentes são aqueles consumados "ao longo do tempo" – ou seja, que se estendem por dias, meses ou anos. Sequestro e ocultação de cadáver são alguns exemplos. ⚖️ A Lei de Anistia, de 1979, extinguiu a punição para crimes políticos e delitos relacionados praticados entre 1961 e 15 de agosto de 1979. A dúvida é se a lei também abarca crimes que continuaram a gerar efeitos para além desse período. O tribunal vai definir, em um primeiro momento, se aplica ao recurso o sistema de repercussão geral. Se avaliar que sim, a decisão desse caso vai gerar uma "tese" a ser aplicada em todos os processos com o mesmo tema, uniformizando o entendimento da Justiça. Se isso ocorrer, a definição da tese será feita em um segundo momento, ainda sem data marcada. Relator do processo, o ministro Dino é a favor da discussão do tema no STF. Em seu voto, o magistrado citou o filme "Ainda estou aqui" (leia mais abaixo). Relembre a importância da Lei da Anistia durante a ditadura e veja quem se beneficiou dela O processo O ministro é o relator de um caso que discute crimes ocorridos durante a guerrilha do Araguaia — de homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e de ocultação de cadáver praticado por Sebastião Curió, ambos do Exército Brasileiro. Curió morreu em 2022 e, com isso, não há mais punição possível. O processo busca a condenação de Maciel. No caso específico, o debate é: a ocultação de cadáver, por ser um crime continuado, pode ser punida apesar da Lei de Anistia? Na primeira instância da Justiça Federal, a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, sob a alegação de que o delito se enquadrava na lei – ou seja, tinha sido anistiado. A decisão da primeira instância foi mantida no Tribunal Regional Federal da Primeira Região. O tema chegou ano passado ao Supremo, após recurso do MPF. Justiça reconhece delitos durante a Ditadura como crimes contra a humanidade Dino defende punição Relator do caso, Dino sustentou que o crime persiste quando se mantém em segredo a informação do paradeiro do desaparecido. “A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”, pontuou. O relator deixou claro que a proposta não é rever a decisão do Supremo sobre a Lei de Anistia, mas discutir o alcance da legislação para uma situação específica. “O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver”, ponderou. “Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um 'distinguishing' [distinção] em face de uma situação peculiar”, prosseguiu. “No crime permanente, a ação se protrai no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, completou. A decisão, Dino cita o filme “Ainda estou aqui” e fala da dor de parentes de desaparecidos na ditadura. “No momento presente, o filme 'Ainda Estou Aqui' — derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) — tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”, relatou. Lançado em 2024, o filme "Ainda estou aqui" é uma produção original Globoplay ambientada na ditadura militar e concorre a três Oscars. O filme conta a história de Eunice Paiva, que se torna viúva após o ex-deputado Rubens Paiva (cassado pela ditadura em 1964) ser preso para interrogatório, torturado e assassinado pelo Estado. A sutileza na atuação de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”