Poeta, amiga de mim: poema (provavelmente) inédito de Maria Teresa Horta.

   Nos inícios de 1980, recebi um telefonema da Maria Teresa Horta pedindo-me colaboração na revista Mulheres, “Ó Beja Santos, os assuntos que você trata do consumo dizem-nos diretamente respeito, tenha dedicação por esta revista, colabore sempre que possa.” E com uma certa regularidade tomei um elevador num prédio de esquina entre a Avenida Duque de Loulé e a Rua Camilo Castelo Branco, ou a Teresa ou a Helena Neves recebiam-me com um sorriso, havia tempo para dois dedos de conversa, inevitavelmente saía da redação com o número acabado de sair, e também com o recado de regressar logo que possível. Foi assim durante vários anos. E aconteceu um dia que foi a Teresa à porta, pareceu-me tristonha, a voz esfriada, aquele olhar de penetrante iridescência cabisbaixo, pediu-me que me sentasse de frente à sua cadeira, e enquanto conversávamos, uma narrativa um tanto desataviada, a Teresa parecia-me que estava a tomar notas numa folha de papel. Entreguei a minha colaboração, expliquei que tinha que rumar para a Rua do Século, onde então trabalhava, e foi então que a Teresa dobrou uma folha, meteu-a num subscrito, “É para si, estava bem precisada de um sorriso e da sua convivência, muito obrigada pela ajuda que nos dá.” Tomei o metro no Marquês, rumo aos Restauradores. Só no elevador da Glória é que abri o subscrito e fiquei enternecido com a lembrança da Teresa. Não poucas vezes lhe dei conta da admiração profunda que sentia pela sua escrita, estou neste momento a vê-la com as mãos elevadas, com aqueles dedos carregados de anéis, a falar do seu contributo em As Novas Cartas Portuguesas, eu sabia muito bem que ela me desafiava  a ler-lhe as passagens  onde era patente o seu cunho literário, fraseado irrepetível por quem quer que fosse, tive a dita, mal chegado da guerra da Guiné, de ter comprado a sua primeira obra de ficção, Ambas as Mãos sobre o Corpo. A vida nos afastou, mas o seu poema ficou religiosamente guardado, não foram poucas as vezes que dei comigo a conversas com a Teresa e a agradecer a vicissitude daquele telefonema para colaborar na revista Mulheres, e como num dia em que me recebeu um tanto melancólica meu deu esta prenda que selou com uma estima até ao último dos meus dias.                                                                 Mário Beja Santos

Fev 7, 2025 - 13:47
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Poeta, amiga de mim: poema (provavelmente) inédito de Maria Teresa Horta.


 

 

Nos inícios de 1980, recebi um telefonema da Maria Teresa Horta pedindo-me colaboração na revista Mulheres, “Ó Beja Santos, os assuntos que você trata do consumo dizem-nos diretamente respeito, tenha dedicação por esta revista, colabore sempre que possa.” E com uma certa regularidade tomei um elevador num prédio de esquina entre a Avenida Duque de Loulé e a Rua Camilo Castelo Branco, ou a Teresa ou a Helena Neves recebiam-me com um sorriso, havia tempo para dois dedos de conversa, inevitavelmente saía da redação com o número acabado de sair, e também com o recado de regressar logo que possível. Foi assim durante vários anos. E aconteceu um dia que foi a Teresa à porta, pareceu-me tristonha, a voz esfriada, aquele olhar de penetrante iridescência cabisbaixo, pediu-me que me sentasse de frente à sua cadeira, e enquanto conversávamos, uma narrativa um tanto desataviada, a Teresa parecia-me que estava a tomar notas numa folha de papel. Entreguei a minha colaboração, expliquei que tinha que rumar para a Rua do Século, onde então trabalhava, e foi então que a Teresa dobrou uma folha, meteu-a num subscrito, “É para si, estava bem precisada de um sorriso e da sua convivência, muito obrigada pela ajuda que nos dá.”

Tomei o metro no Marquês, rumo aos Restauradores. Só no elevador da Glória é que abri o subscrito e fiquei enternecido com a lembrança da Teresa. Não poucas vezes lhe dei conta da admiração profunda que sentia pela sua escrita, estou neste momento a vê-la com as mãos elevadas, com aqueles dedos carregados de anéis, a falar do seu contributo em As Novas Cartas Portuguesas, eu sabia muito bem que ela me desafiava  a ler-lhe as passagens  onde era patente o seu cunho literário, fraseado irrepetível por quem quer que fosse, tive a dita, mal chegado da guerra da Guiné, de ter comprado a sua primeira obra de ficção, Ambas as Mãos sobre o Corpo.

A vida nos afastou, mas o seu poema ficou religiosamente guardado, não foram poucas as vezes que dei comigo a conversas com a Teresa e a agradecer a vicissitude daquele telefonema para colaborar na revista Mulheres, e como num dia em que me recebeu um tanto melancólica meu deu esta prenda que selou com uma estima até ao último dos meus dias. 


                                                                Mário Beja Santos