NASA, SpaceX, e uma penca de incertezas

Influência de Elon Musk no governo dos EUA, e de equipe da SpaceX em assuntos internos, aumentam preocupações sobre o futuro da NASA NASA, SpaceX, e uma penca de incertezas

Fev 6, 2025 - 01:39
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NASA, SpaceX, e uma penca de incertezas

Como esperado, a NASA não escapou do sururu generalizado, que aflige todas as agências do governo dos Estados Unidos. O Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), comandado pelo bilionário Elon Musk, e aliados ligados a suas várias companhias, assumiram o controle de diversos órgãos críticos, encerraram programas e órgãos, e estão exercendo pressão por produtividade, similar ao período pós-compra do Twitter, hoje X.

Na agência espacial, o clima é de total incerteza, vista a notável crescente influência da SpaceX em assuntos internos, com a nomeação de um funcionário para um cargo-chave, diretamente ligado ao futuro administrador Jared Isaacman, indicado por Musk e nomeado por Trump.

Segundo fontes, moral na agência espacial norte-americana nunca esteve tão baixa (Crédito: NASA)

Segundo fontes, moral na agência espacial norte-americana nunca esteve tão baixa (Crédito: NASA)

NASA e SpaceX, tudo a ver?

As últimas duas semanas têm sido agitadas, e a NASA não escapou ilesa. Após a saída de Bill Nelson, o cargo de administrador da NASA passou interinamente para as mãos de Janet E. Petro, atual diretora do Centro Espacial John F. Kennedy. Uma de suas primeiras medidas, em conformidade à ordem executiva de Trump, foi acabar com o programa de contratações baseadas em DEI (Diversidade, Equidade, e Inclusão), e instou os funcionários a denunciarem quem não se emendar, sob risco de "severas consequências".

Até aí era esperado, a ordem vale para todas as agências e a NASA não seria tratada diferente, mas dias depois, Petro nomeou o engenheiro Michael Altenhofen, que trabalha há 15 anos na SpaceX, para o cargo de conselheiro-sênior de Jared Isaacman, que deverá assumir o cargo de administrador em breve; a data para sua sabatina no Senado ainda não foi definida.

Nesse meio tempo, Trump disse que Butch Wilmore e Suni Williams, os astronautas da missão da cápsula Starliner, estão desde junho de 2024 "presos" na Estação Espacial Internacional (ISS), por culpa da administração de Joe Biden, o que todo mundo com mais de dois neurônios sabe que não é verdade, o retorno de ambos está devidamente agendado para abril de 2025, há meses.

Musk também sabe disso, mas concordou com Trump mesmo assim, dizendo que a SpaceX os traria de volta o mais rápido possível, a pedido do presidente. Muita gente apontou que o bilionário aprendeu bem rápido a mentir como um político, e que escolher entre dinheiro e poder não lhe interessa; ele quer ambos, mas por ser sul-africano, logo, não pode ser presidente, teria movido o jogo dos bastidores a seu favor, devidamente apoiado em 300 milhões de motivos.

Através do DOGE e aliados ligados a suas companhias, Musk assumiu recentemente o controle do sistema de pagamentos dos EUA, que gerencia todo o caixa da nação, desde seguridade social a contratos sensíveis, incluindo os da NASA com concorrentes diretos da SpaceX, como Blue Origin, ULA, e Boeing. Membros democratas do Congresso dizem que o ato é um enorme risco de segurança, principalmente porque engenheiros jovens, e sem nenhuma experiência governamental, teriam conseguido acesso pleno.

Quanto à NASA, o acesso do DOGE a contratos e financiamentos não seria o único problema, colaboradores da agência estariam sofrendo pressão do Escritório de Gestão Pessoal (OPM), "tomado" pelos aliados de Musk, a cumprirem com a mesma meta de produtividade que o executivo impôs ao X, nos primeiros dias de sua gestão, incluindo fim do trabalho remoto e avaliações por excelência; quem não se enquadrar, será demitido ou forçado a sair.

Os memorandos seriam os mesmos que o OPM despachou às demais agências do governo.

Donald Trump estaria ignorando conflitos de interesses envolvendo Elon Musk, para todos os efeitos, o administrador de facto da NASA (Crédito: Brandon Bell/Pool/Reuters)

Donald Trump estaria ignorando conflitos de interesses envolvendo Elon Musk, para todos os efeitos, o administrador de facto da NASA (Crédito: Brandon Bell/Pool/Reuters)

Outro problema seria, segundo diversas fontes, a crescente influência da SpaceX nas tomadas de decisão da NASA durante a gestão interina de Petro, como a nomeação de Altenhofen e a atuação do conselho de transição, que estaria passando um pente fino em todos os projetos atuais e futuros.

Algumas das sugestões já foram abordadas no Meio Bit, como a possibilidade de cancelar o foguete SLS e a cápsula Orion, e mudar o foco da Lua para Marte, uma ideia defendida há tempos por Musk, mas parcialmente endossada por Trump, que quer americanos em ambos destinos até 2028. Outras envolveriam:

  • Cancelamento da base lunar Gateway, ou adiamento do projeto por tempo indeterminado;
  • Limitar o Programa Artemis às missões II e III, ou cancelá-lo completamente (o que Trump não quer, e não deve acontecer);
  • Decidir o futuro da missão Mars Sample Return, que pode ser terceirizada, ou mesmo cancelada (o que criaria problemas políticos com a ESA), em prol da missão tripulada rumo a Marte;
  • Definir o destino da ISS, que se aproxima do limite operacional, e um futuro programa para uma nova estação espacial, que não deverá contar com China e Rússia como parceiras;
  • Delinear uma estratégia comercial sólida, diminuindo os gastos da NASA com projetos próprios, definindo quais áreas valem a pena terceirizar.

Esses problemas deverão ser atribuídos a Jared Issacman, bem-visto no setor aeroespacial, e sua nomeação agradou gente como Tory Bruno, CEO da ULA. Espera-se que sua audiência seja marcada para a segunda metade de fevereiro de 2025, e poucas são as chances dele ser recusado pelo Senado norte-americano, mas háum porém.

O também bilionário é cliente da SpaceX na missão Polaris Dawn, talvez o programa espacial privado mais ousado da História; há um consenso de que o piloto, astronauta e empresário ainda deve uma boa grana, o que poderia ser entendido pelos políticos como conflito de interesse, mais um dos muitos envolvendo Musk que vêm sendo ignorados por Trump, em prol do America First and Great Again.

A maior presença da SpaceX em decisões que deveriam caber apenas ao pessoal da NASA, que poderia muito bem ser um reflexo dessa pendência, já teria sido entendida internamente como eles sendo agora funcionários de Elon Musk, o administrador de facto; Isaacman assumiria o papel de frontman, ou em bom português, de "poste", mesmo sendo plenamente capaz de cuidar ele mesmo da agência.

A postagem de Trump em sua rede social TRUTH, mandando Musk resgatar os astronautas da ISS, virtualmente passando por cima de um plano da NASA estabelecido há meses, e com o dono da SpaceX baixando a cabeça a concordando em tudo o que o presidente dos EUA disse, teria deixado isso bem claro.

Jared Isaacman, que ainda será sabatinado pelo Senado dos EUA, é um profissional respeitado no meio aeroespacial (Crédito: John Kraus/Polaris Dawn/SpaceX)

Jared Isaacman, que ainda será sabatinado pelo Senado dos EUA, é um profissional respeitado no meio aeroespacial (Crédito: John Kraus/Polaris Dawn/SpaceX)

Por essas e outras, a moral dentro da agência, de acordo com funcionários ouvidos pelo site Ars Technica, nunca foi tão baixa, dada a enorme incerteza acerca do futuro. É possível que a NASA passe a ser gerenciada exatamente como a SpaceX, o que do ponto de vista técnico seria interessante, mas não seria imune a uma série de atritos com os profissionais de carreira e o time de Elon Musk.

Ao mesmo tempo, ainda é cedo para dizer se Jared Isaacman será atuante na administração, ou se servirá apenas como um proxy de Musk, que ditaria sozinho os rumos da exploração espacial, e poderia inclusive criar dificuldades para os concorrentes da SpaceX em conseguirem futuros contratos.

Resumindo a história, a NASA está na mesma situação que todas as outras agências do governo dos EUA, onde nada é concreto, e ninguém sabe até onde se estende a influência de Elon Musk na administração das mesmas. Logo, só nos resta esperar pelos próximos capítulos.

Fonte: Ars Technica

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