Todos chumbados e era pouco

Há dias deixei aqui uma reflexão sobre as razões para uma recente sondagem colocar um, por agora, putativo candidato à Presidência da República em posição de vencer as eleições presidenciais de Janeiro próximo. Ontem, uma outra sondagem para o barómetro DN/Aximage e o debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro, confirmaram essa ideia que tenho e reforçou-me a convicção de que o almirante Gouveia e Melo, salvo qualquer surpresa de última hora e para mal dos meus pecados, levará a palma aos candidatos que já se apresentaram. A sondagem do DN/Aximage, revelada num artigo de Bernardo Ralha com um título porventura enganador – “Governo continua a ter nota menos má do que uma Oposição que tem dois líderes" – preocupa-se em destacar aspectos laterais do resultado obtido, deixando na sombra aquele que é o resultado que verdadeiramente importa sublinhar. Importante, ao contrário do que refere o articulista ao escolher o título em questão, não é saber se a nota do Governo é “menos má” do que a da Oposição, ou se esta tem dois líderes, porque na verdade chegámos a um ponto em que nenhum português com um mínimo de senso, sentido da realidade e preocupação com o futuro da democracia e do país dá uma esmola para esse peditório. De certo modo, isso também é revelador do desfasamento da agenda mediática em relação à realidade. O que aquela sondagem nos diz, ignorando os que nada dizem ou não respondem, é que em relação à actuação do Governo actual são mais os que consideram mau e muito mau (34% + 13% = 47%) o seu desempenho do que os que o consideram bom e muito bom (41% + 4% = 45%). E em relação à Oposição esses mesmos portugueses consideraram que a sua prestação é, digo eu, um verdadeiro desastre, visto que somente 34% a consideraram muito boa (3%) e boa (31%), sendo 55% os que a consideram má (44%) e muito má (11%). Estes números deveriam fazer reflectir os partidos políticos e as pessoas que têm responsabilidades em Portugal. Qualquer candidato à Presidência da República não poderá deixar de olhar para isto. Sondagem após sondagem os portugueses entendem que tanto o Governo como a Oposição são maus ou muito maus, que é como quem diz, absolutamente ineptos para as funções que desempenham, reafirmando aquilo que Medina Carreira já dizia e eu não me cansarei de reafirmar: esta gente não presta. E ou os portugueses arranjam outros ou o destino deste país e da sua democracia estarão traçados e à mercê de qualquer surripiador de malas ou gangue autárquico com capacidade de organização. Se juntarmos a esta sondagem da manhã o pornográfico debate parlamentar da tarde, a que muitos terão assistido sem saber o que pensar daquele nível de discussão, do estilo e tom que lhe foram emprestados e, em particular, da linguagem de carroceiro a que muitos recorrem e de que as sumidades do Chega e o deputado Ventura são os indiscutíveis campeões, perceber-se-á a razão para as sondagens apresentarem tais resultados. E essa má impressão de quem governa e de quem interpela reflecte-se depois no processo Tutti Fruit, com dezenas de envolvidos e afins, cuja simples existência – não porque não devam existir – só por si constitui vergonha para as instituições e os portugueses. Igualmente nas acções de justicialismo mediático de uma certa magistratura que também gostava de poder governar, nos gangues que por aí proliferam nas mais variadas áreas de “empreendedorismo” e a que nem os desgraçados dos imigrantes escapam quando se trata de obter testados em juntas de freguesia, no que parecem ser procedimentos corriqueiros em autarquias de norte a sul, num saque permanente e de dimensões descomunais, de tal forma que há quem ache normal que um ex-secretário de Estado, em tempo integral e trabalhando em exclusividade, para além do tempo que demorou a demitir-se – quando se impunha que tivesse sido imediatamente demitido por quem tinham autoridade sobre ele –, poucos meses volvidos sobre a data da sua tomada de posse, tenha cabeça e tempo para pensar e constituir sociedades comerciais, independentemente do respectivo escopo e das áreas em que pretende actuar, num momento em que se devia dedicar de corpo e alma à acção governativa, a pensar e a resolver os problemas da área que lhe coube em sorte, e deixar as suas aventuras empresariais para quando saísse do Governo e da política activa. Como se o problema do mau funcionamento do Estado e dos partidos políticos e o miserável recrutamento das “elites”, aliás amplamente espelhado nas múltiplas escutas telefónicas que clinicamente chegam às páginas dos jornais, às televisões, carregadas de cortes devido ao rico palavreado dos senhores deputados e ministros, e à Internet se resumisse a meros problemas de legalidade. Ou aos milhares de horas que os motoristas da Assembleia da República "faziam" aos sábados sem que ninguém desse por nada. Antes fosse. Não sei quantos mais candidatos irão aparecer para as presidenciais. Os que aí estão não oferecem a mínima confiança. Facto

Fev 6, 2025 - 11:16
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Todos chumbados e era pouco

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Há dias deixei aqui uma reflexão sobre as razões para uma recente sondagem colocar um, por agora, putativo candidato à Presidência da República em posição de vencer as eleições presidenciais de Janeiro próximo.

Ontem, uma outra sondagem para o barómetro DN/Aximage e o debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro, confirmaram essa ideia que tenho e reforçou-me a convicção de que o almirante Gouveia e Melo, salvo qualquer surpresa de última hora e para mal dos meus pecados, levará a palma aos candidatos que já se apresentaram.

A sondagem do DN/Aximage, revelada num artigo de Bernardo Ralha com um título porventura enganador – “Governo continua a ter nota menos má do que uma Oposição que tem dois líderes" – preocupa-se em destacar aspectos laterais do resultado obtido, deixando na sombra aquele que é o resultado que verdadeiramente importa sublinhar.

Importante, ao contrário do que refere o articulista ao escolher o título em questão, não é saber se a nota do Governo é “menos má” do que a da Oposição, ou se esta tem dois líderes, porque na verdade chegámos a um ponto em que nenhum português com um mínimo de senso, sentido da realidade e preocupação com o futuro da democracia e do país dá uma esmola para esse peditório. De certo modo, isso também é revelador do desfasamento da agenda mediática em relação à realidade.

O que aquela sondagem nos diz, ignorando os que nada dizem ou não respondem, é que em relação à actuação do Governo actual são mais os que consideram mau e muito mau (34% + 13% = 47%) o seu desempenho do que os que o consideram bom e muito bom (41% + 4% = 45%).

E em relação à Oposição esses mesmos portugueses consideraram que a sua prestação é, digo eu, um verdadeiro desastre, visto que somente 34% a consideraram muito boa (3%) e boa (31%), sendo 55% os que a consideram má (44%) e muito má (11%).

Estes números deveriam fazer reflectir os partidos políticos e as pessoas que têm responsabilidades em Portugal. Qualquer candidato à Presidência da República não poderá deixar de olhar para isto.

Sondagem após sondagem os portugueses entendem que tanto o Governo como a Oposição são maus ou muito maus, que é como quem diz, absolutamente ineptos para as funções que desempenham, reafirmando aquilo que Medina Carreira já dizia e eu não me cansarei de reafirmar: esta gente não presta.

E ou os portugueses arranjam outros ou o destino deste país e da sua democracia estarão traçados e à mercê de qualquer surripiador de malas ou gangue autárquico com capacidade de organização.

Se juntarmos a esta sondagem da manhã o pornográfico debate parlamentar da tarde, a que muitos terão assistido sem saber o que pensar daquele nível de discussão, do estilo e tom que lhe foram emprestados e, em particular, da linguagem de carroceiro a que muitos recorrem e de que as sumidades do Chega e o deputado Ventura são os indiscutíveis campeões, perceber-se-á a razão para as sondagens apresentarem tais resultados.

E essa má impressão de quem governa e de quem interpela reflecte-se depois no processo Tutti Fruit, com dezenas de envolvidos e afins, cuja simples existência – não porque não devam existir – só por si constitui vergonha para as instituições e os portugueses. Igualmente nas acções de justicialismo mediático de uma certa magistratura que também gostava de poder governar, nos gangues que por aí proliferam nas mais variadas áreas de “empreendedorismo” e a que nem os desgraçados dos imigrantes escapam quando se trata de obter testados em juntas de freguesia, no que parecem ser procedimentos corriqueiros em autarquias de norte a sul, num saque permanente e de dimensões descomunais, de tal forma que há quem ache normal que um ex-secretário de Estado, em tempo integral e trabalhando em exclusividade, para além do tempo que demorou a demitir-se – quando se impunha que tivesse sido imediatamente demitido por quem tinham autoridade sobre ele –, poucos meses volvidos sobre a data da sua tomada de posse, tenha cabeça e tempo para pensar e constituir sociedades comerciais, independentemente do respectivo escopo e das áreas em que pretende actuar, num momento em que se devia dedicar de corpo e alma à acção governativa, a pensar e a resolver os problemas da área que lhe coube em sorte, e deixar as suas aventuras empresariais para quando saísse do Governo e da política activa.

Como se o problema do mau funcionamento do Estado e dos partidos políticos e o miserável recrutamento das “elites”, aliás amplamente espelhado nas múltiplas escutas telefónicas que clinicamente chegam às páginas dos jornais, às televisões, carregadas de cortes devido ao rico palavreado dos senhores deputados e ministros, e à Internet se resumisse a meros problemas de legalidade. Ou aos milhares de horas que os motoristas da Assembleia da República "faziam" aos sábados sem que ninguém desse por nada. Antes fosse.

Não sei quantos mais candidatos irão aparecer para as presidenciais. Os que aí estão não oferecem a mínima confiança. Facto agravado pela crise de credibilidade dos partidos e respectivas lideranças, cujo patrocínio a qualquer candidatura presidencial não é garantia de seriedade. Ainda recentemente se viu com as acusações que recaíram sobre um antigo dirigente e ex-candidato presidencial dos impolutos liberais, que acabou expulso do partido que o queria para nosso Presidente da República, enredado na justiça por falsificação de documentos numa autarquia. Grotesco.

É por isso que em momentos destes, e eu nunca pensei ter de vir a dizê-lo meio século dobrado sobre o 25 de Abril, é preciso olhar para o exemplo de homens como Ramalho Eanes – o PRD foi outra coisa – que com mais de 90 anos continua a dar-nos lições de cidadania, empenhamento cívico, lealdade a Portugal e aos portugueses e, acima de tudo, independentemente das respectivas convicções e erros de julgamento que como qualquer um terá cometido, de seriedade, boa-fé, elevação, nobreza de carácter, dignidade, desprendimento material na hora de servir e capacidade de resistir à errância, à frivolidade, à miséria moral, ao espectáculo mediático.

E não foi por ser um militar. Militares há muitos. E alguns que conheci uns farsantes e uns estafermos sem vergonha nem amor à farda.

Foi por ser um homem sério, que quando se está no Governo ou na Presidência não se está lá para “tratar da vida”, não se anda a constituir sociedades, a comprar e a vender acções, a investir em projectos imobiliários com os amigos, a constituir fundações com dinheiro público, a recorrer a fundos e subvenções por interpostas pessoas ou a ajudar a família, os conterrâneos, os colegas de escola, os amigos de infância e os amigalhaços de ocasião a singrar na vida.

E foi também por ter percebido que a política é uma actividade demasiado importante para ser confiada a arrivistas, a gente destituída de ética, moral ou carácter, a vigaristas diplomados, excursionistas da política, agilizadores de negócios, feirantes misericordiosos ou a videirinhos com os bolsos carregados de cromos dos três pastorinhos à procura do melhor ângulo para a foto e os saltinhos que os portugueses lhe ficarão sempre a dever.

Podemos ter muitos magos na bola, em muitas áreas da ciência e do conhecimento, da cultura, mas do que precisávamos mesmo neste hora era de um Eanes. De um Eanes na política. De um Eanes em Belém.

Se possível de muitos, com estaleca. Dentro dos partidos, metendo a canalha na ordem, correndo com o lúmpen das empresas, das autarquias, das escolas, dos campos, das universidades, das indústrias.

Precisávamos de gente como Eanes, com apego à democracia e às instituições, com ética de trabalho, serviço e respeito para com os outros. De gente séria, de gente que prestasse para alguma coisa e ajudasse a criar algo de útil e com futuro. De gente que, como ele, pudesse servir de exemplo e estímulo. Ou deixasse na sombra os miseráveis.

Lamento hoje, mais do que nunca, que tenhamos perdido duas gerações, estourando milhões a construir estádios e a produzir Cristinas, para as televisões e os partidos, desprezando o sangue, o suor e as lágrimas de tantos que nos precederam sem que tivéssemos sido capazes de produzir, não digo muitos, pelo menos uma meia-dúzia de pessoas capazes para a política com a estatura cívica e moral de um Ramalho Eanes. Um que fosse, militar ou civil, para sair da mediocridade e do anonimato e se apresentar às presidenciais de 2026.

Creio que até nisso os deuses nos estão a obrigar a pagar o preço do infortúnio. Da romaria, da Maria que foi com as outras. Pela medida grande. Crucificados diariamente numa espécie de Portugal dos pequeninos. Com os anões que temos a zelarem por nós. Mas sempre prontos para irem aos figos, às cavalitas uns dos outros, e fazerem justiça na hora dos dividendos.

Só me apetece dizer um palavrão. Dos grandes. Para ser ouvido no Além. E indignar os deuses. Espero que os leitores me desculpem.