Cuca Monga e selo RISCO juntam-se para aproximar as duas margens do Atlântico

‘NOVA ERA/OHAYO SARAVÁ’, por Sophia Chablau e Felipe Vaqueiro, é o primeiro fruto da relação entre a editora portuguesa e o selo brasileiro. Não será o último.

Fev 6, 2025 - 11:15
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Cuca Monga e selo RISCO juntam-se para aproximar as duas margens do Atlântico
Cuca Monga e selo RISCO juntam-se para aproximar as duas margens do Atlântico

Há uma nova música brasileira a brotar de São Paulo e de outros cantos do país. O termo é usado, dos dois lados do Atlântico, para descrever uma nova de cantores e compositores que cresceram ligados à internet e trouxeram novos ritmos e sotaques à mpb, como Tim Bernardes e a sua antiga banda, O Terno. Ou Ana Frango Elétrico – que não aprecia particularmente o rótulo, assim como a maior parte dos seus pares. Ou Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, cantora e banda que encantaram todos aqueles que lhes puseram a vista em cima este Verão, no Musicbox e na ZDB. 

Estes e muitos outros artistas estão ou estiveram ligados ao selo RISCO, cuja última edição é NOVA ERA / OHAYO SARAVÁ, estreia discográfica do duo de Sophia Chablau e Felipe Vaqueiro, mas também o início de outro parceria: entre a fervilhante editora paulistana e a Cuca Monga, dos Capitão Fausto. “Era um namoro que eu sempre ficava procurando e atento”, conta Gui Jesus Toledo, um dos fundadores do colectivo brasileiro. “A grande verdade é que levei alguns anos para conseguir me estruturar melhor com um selo discográfico. E também aconteceu que, depois da pandemia, começámos a procurar alguns parceiros internacionais para alguns títulos.”

Este tipo de colaborações faz sentido. “Alguém local sabe melhor o que fazer e com quem falar. Desde o jornalista a quem explica um pouquinho, porque acredita que pode interessar-se [pelo assunto], até plataformas online e esse tipo de coisa, de relacionamento e estratégia”, desenvolve o editor e engenheiro de som. “Já fazemos isso há alguns anos, noutros países. E, há uns tempos, estava a dizer ao Domingos [Coimbra, dos Capitão Fausto e da Cuca Monga] que em algum momento a gente ia achar uma sintonia de um título que tenha a ver com a Cuca Monga e que o RISCO esteja lançando, para começar essa parceria. Por sorte, agora, houve essa sintonia.”

“No ano passado, o Domingos viu que a Sophia estava indo para a Europa e falou ‘Gui, faz uma ponte, quero conhecê-la’. E eu ‘poxa, também queria que ela conhecesse vocês’. Rolou logo uma sintonia muito legal entre eles. Então, apesar de a gente estar tentando algo [juntos] há quase dez anos, dessa vez foi só natural e achámos que era o momento certo para começar a parceria”, explica o co-fundador do selo RISCO. Depois de ouvirmos estas canções – a primeira escrita por ela, a outra dele, ambas tocadas também por Biel Basile (de O Terno) e Marcelo Cabral – fica difícil não concordar com eles. Tinha de ser agora.

Escrita e cantada por Sophia Chablau, “NOVA ERA” é uma cantiga belíssima, como tantas outras da sua pena. Como a nossa Maria Reis, ela é facilmente a melhor mulher a escrever música no Brasil de agora – a postura e as referências são outras, contudo, nos respectivos países, ninguém se compara com elas. Rita Lee parece morar dentro das notas que escutamos, todavia sem o resto d’Os Mutantes (e com menos ecos dos Pavement que assombram Uma Enorme Perda de Tempo), mas com Caetano e Gil nos instrumentos. A letra versa sobre novo(s) começo(s) e, supomos, novo(s) amor(es). Bate forte cá dentro. 

Está tudo certo em “NOVA ERA”, mas eles podiam nem ter chegado lá – pelo menos agora. “Não tínhamos um arranjo tão fechado quanto noutras que tocamos juntos”, revela Sophia. “Havia uma versão meio reggae, um absurdo. Porém, achámos que podíamos abrir novos” Ouvindo-a, acreditamos. Esta canção não podia ser feita de outra maneira. Felipe acrescenta que “também havia uma ligação com uma parada mais relacional. Consegue associar-se essa [‘NOVA ERA’] a muitas coisas.” A tantas, incluindo a eles.

Já no labo B reside “OHAYO SARAVÁ”, composta e cantada por Vaqueiro, que Sophia conheceu quando o seu grupo andou em digressão com os baianos Tangolo Mangos, a turma dele. Conheceu pessoalmente, sublinhe-se, porque algumas das músicas já sabia de cor (exagero? Talvez). “Foi Zé Ibarra, um músico e amigo, que me mostrou a banda dele. Fiquei muito chocada, entusiasmada. Quis ter qualquer tipo de troca sonora com ele, recorda Sophia. “Porque eu gosto muito de composição. Há coisas que são produzidas para funcionar, e torna-se difícil pensar numa outra produção. As nossas não. São músicas para cantar.” Que existem agora nestas versões, para quarteto, com dobras e overdubs, mas poderão ser reproduzidas apenas com voz e violão. Sem se perder o fundamental.

Enquanto a faixa de abertura começou por ser um reggae, “OHAYO SARAVÁ” deu ainda mais voltas, teve três versões. “Já tinha tocado essa canção com a banda, mas a Sophia não conhecia essas versões. Conheceu-a comigo a tocá-la no violão. A partir daí, quando decidimos gravá-la juntos, começou a derivar um pouco. E houve a ideia do teclado. Era a terceira versão, ela veio com essa ideia, e ficou muito doido. A referência que deu para o disco foi uma banda do Gana”, conta Felipe, que não se lembra do nome. A parceira socorre-o: “Alogte Oho & His Sounds Of Joy”. Ele não precisa de agradecer. Sente-se a cumplicidade entre ambos. É escusado dizer que a parceria não se vai resumir a um single – nem podia. É um novo projecto para ambos, a desafiarem-se mutuamente. Venham mais canções.

O Brasil já não é o que era

Durante anos, em Portugal, só se ouviam algumas, poucas, músicas e ritmos do Brasil. Havia fenómenos sazonais, como Netinho ou Iran Costa e outros da mesma criação; mais meia dúzia de eminências pardas, sempre com casas cheias à sua espera, como Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Chico Buarque e mais uns quantos, menos mediáticos. Los Hermanos, se calhar a mais influente banda brasileira deste século foram, nestas coordenadas, uma banda de culto. Nem mais, nem menos.

No Brasil, no entanto, a sua influência é tremenda. As suas canções ecoam nas obras do selo RISCO; mas não só. Os Oruã, os Boogarins e tantos outros, qualquer banda de rock brasileira que tenha feito mossa noutras paragens, deve-lhes isto ou aquilo. “Los Hermanos resgataram uma coisa que a música brasileira tem muito forte, que é a canção”, defende Gui Jesus Toledo. Ou, como dizia Sophia, a sua “composição”.

Ao contrário da nova geração de compositores nascidos do lado de lá do Atlântico, porém, Los Hermanos estavam reféns da televisão e da rádio. Sem elas, era muito difícil difundirem a sua música. Além de alargar os horizontes dos músicos, a internet, a que esta geração cresceu ligada, é mais democrática. “Isso é bem relativo”, nota Gui. “Mas é verdade que a Ana Frango Elétrico não precisa de pagar para passar na rádio se quiser tocar em Portugal. As juventudes têm a liberdade de pesquisar a coisa no Instagram, na Apple, no Spotify, e gostar daquilo. “É inevitável.”

E a internet funciona para os dois lados. Foi lá que Domingos Coimbra conheceu Tim Bernardes, por exemplo. “Quando lançámos [o disco de 2016, Capitão Fausto Têm] Os Dias Contados, mandou-me mensagem no Facebook, a dizer que tinha adorado o nosso álbum. Eu não o conhecia – não os conhecíamos – mas respondi-lhe, fui ouvir a banda, e adorei. Depois percebemos que tínhamos uma paixão comum pelo Brian Wilson e começámos a falar mais”, recorda o músico português. “Um dia ele diz que a banda dele, O Terno, ia tocar ao Musicbox, e convenci o resto dos Faustos a irem vê-los comigo.” Gui, do selo RISCO, era o técnico de som. E o resto é história.

Capitão Fausto, O Terno
Biel BasileCapitão Fausto e (parte de) O Terno

“Sabes aquelas cidades irmãs?” As cidades geminadas. “Nós sentimos que Capitão Fausto e O Terno eram bandas geminadas. Falavam sobre coisas parecidas, puxavam um público parecido. E quando conhecemos o Gui percebemos que o que eles estavam a fazer desde 2014, com o RISCO, era o que estávamos a começar a fazer com a Cuca Monga: havia um sítio onde as bandas eram gravadas, produzidas, onde o trabalho acontecia antes de a música sair e mesmo depois de estar cá fora”, enumera Domingos. E, sobretudo num contexto em que a demografia alterou o perfil da população brasileira em Portugal, fazia todo o sentido editarem e publicitarem os artistas da editora irmã brasileira. E vice-versa.

Por enquanto, não se sabe qual o próximo disco do RISCO que a Cuca Monga vai lançar. Nem qual o primeiro da editora de Alvalade que o selo paulistano vai promover do outro lado do Atlântico, se bem que já há alguns nomes em cima da mesa. Domingos aponta o cantautor nacional Jasmim, prestes a lançar um álbum pela Cuca Monga; Gui acredita que pode ajudar os Capitão Fausto a aumentarem ainda mais a sua pegada no Brasil. 

“Acho que houve, inclusive, no Brasil, um redescobrimento de Portugal nos últimos anos. E não foi só lá, enxergo isso até de forma mais global, até mesmo de europeus”, reconhece. A maneira como o Brasil é visto pelas elites portuguesas também mudou. Era uma questão de tempo até este tipo de cooperação transatlântica começar e se normalizar. A partir de agora, estes diálogos vão continuar a desenvolver-se. Convém prestar atenção. Tal como a música de Sophia Chablau, isto é tudo menos “uma enorme perda de tempo”.

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