Porque não há crítica de design

O «Ressabiator» deve ser o blogue mais antigo sobre design gráfico em Portugal. Criei-o há vinte anos, em 2004. Não havia Facebook, não havia instagram, não havia YouTube. Tenho alunos que ainda não tinham nascido quando fiz o primeiro post. Não posso dizer sequer que é uma sensação estranha, porque não a sinto. Tenho de […]

Jan 26, 2025 - 13:54
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Porque não há crítica de design

O «Ressabiator» deve ser o blogue mais antigo sobre design gráfico em Portugal. Criei-o há vinte anos, em 2004. Não havia Facebook, não havia instagram, não havia YouTube. Tenho alunos que ainda não tinham nascido quando fiz o primeiro post.

Não posso dizer sequer que é uma sensação estranha, porque não a sinto. Tenho de a pensar para a sentir. Para mim, a internet é algo novo, que não perde a novidade. Ao mesmo tempo, é uma parte crucial da minha identidade.

Escrever na internet é a minha vida. Já fui viral, já deixei de ser. Tive de pensar se queria ganhar dinheiro com patrocínios (não). Aprendi quais são os limites da minha coragem e da minha paciência. Sei que é inútil se não houver medo. O medo é o sinal de que se arrisca. Não há crítica ou sequer opinião sem risco. Sei que não adianta se não chatear.

Antes de ter um blogue, o que eu gostava de fazer era programar. Sabia HTML, Java, C++, Perl, Python, Processing (quando ainda se escrevia com dois cincos em vez dos SS). O que percebi com os blogues é que se pode existir na net sem ter de programar, e que se pode ter opinião lida por milhares sem ter de imprimir o que quer que seja. Penso que, em parte, a nostalgia colectiva do design pela tipografia de chumbo ou pela programação «à antiga» esconde, e adia, a facilidade com que é possível ter uma opinião.

É irónico que tenha ocorrido durante os últimos vinte anos uma corrente chamada Critical Design, cuja grande contribuição foi discutir a dificuldade que é ser designer e criticar. Não há maneira de criticar sem risco ou sem medo. Não é assim que as coisas se passam. Não perceber isso é passar calado pelo período mais fértil da história da esfera pública. É isso que o design tem feito.

Onde tudo era fácil, ergueu barreiras. Se havia crítica espontânea nos blogues, criaram-se cursos de crítica (como o D-Crit) para dar “finalmente” legitimidade aos críticos. Os mestrados e doutoramentos funcionaram como um gigantesco tampão, atolando e acantonando o pensamento crítico nos bizantinos mecanismos de avaliação para progressão de carreira. Nunca se escreveu tanto sobre design de modo tão fechado sobre si mesmo.