“ATMT”: Anelis Assumpção, Juçara Marçal e Sain falam sobre álbum de Marcelo D2
Fruto do isolamento, álbum de Marcelo D2, na verdade, promoveu encontro de gerações; confira bate papo com quem mergulhou nessa produção. The post “ATMT”: Anelis Assumpção, Juçara Marçal e Sain falam sobre álbum de Marcelo D2 appeared first on NOIZE | Música do site à revista.
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Em 2020, o NRC lançava em vinil Assim Tocam os MEUS TAMBORES (2020), de Marcelo D2, projeto realizado durante a pandemia. O disco foi produzido, como tudo naquele período, a distancia, em troca direta com o público, por meio de lives da Twitch. D2 reuniu nomes de peso para colarem com ele nessa empreitada, como João Parahyba, Sain, Rodrigo Ogi, Anelis Assumpção, Juçara Marçal e o saudoso Ivan “Mamão” Conti (Azymuth).
Marcelo D2 divide processo criativo do álbum “ATMT”, produzido na Twitch
Inspirados por esse projeto, batemos um papo com eles na época do lançamento, via Zoom e Whatsapp. Veja como foi:
Zoom Meeting | 15:00 | segunda-feira, 24 de agosto de 2020
NOIZE > João Parahyba > Ivan Conti
Para a gente começar, gostaria de fazer um convite: vocês conseguem visitar a lembrança da primeira vez que tocaram em uma bateria ou em algum outro instrumento percussivo?
Mamão: Na minha casa tocavam muitos músicos, meu pai era amigo de vários, mas ele não queria que eu fosse um. Interessante, né? Teve uma festa lá em casa que ele contratou o Jackson do Pandeiro! Eu tinha uns 8 anos e aquilo me encantou de uma forma… Lembro muito da versatilidade do Jackson, até hoje eu canto as músicas dele. Comecei a tocar violão, meu irmão me mostrou uns acordes, e foi dele que passei para a batera.
Teve uma outra vez que fui na casa de um amigo na Tijuca, vi ele tocando bateria e aquilo me encantou. Meu pai tinha um ferro velho, vi uns pneus de caminhão e comecei a treinar neles por causa da textura boa e do kick da borracha. Não existia tábua de prática naquela época. Depois, comecei a ir no Beco das Garrafas (como era conhecida a zona boêmia de casas noturnas situada em Copacabana) para assistir as coisas, mas ainda não tocava. Comecei a treinar no chão mesmo, em catálogo de telefone, até conseguir comprar o meu primeiro instrumento.
A primeira vez que toquei em uma bateria foi fascinante porque é muito difícil. Meu primeiro método foi comprar um disco do Gene Kruppa e estudar por ele. Estudava seis, oito horas por dia… Tadinha da minha mãe, ela colocava algodão no ouvido! Acompanhado sempre de um disco na vitrola. Botava o disco e corria atrás! Comecei a gostar e a frequentar mais o Beco das Garrafas, tocar com um, tocar com outro…
Parahyba: A minha memória é linda e alegre, ao mesmo tempo que muito problemática (risos). Eu tinha 10 anos, estava em um natal na casa da minha avó, e o irmão dela, o Tio José, chegou lá – e você não vai acreditar – com um presente para mim: um bumbo da Força Pública, como se chamava antigamente a Polícia Militar! O que aconteceu com o natal? Fiquei tocando a noite toda para o desespero da família! (risos) Meu tio ria e ria! Foi uma sacanagem legal que ele fez e descobriu a minha veia musical. Eu tenho o bumbo até hoje, para vocês terem uma ideia!
Genial! Falando em tambor… por que vocês acreditam que a célula rítmica percussiva tem tanta capacidade de reinvenção?
Mamão: Olha, desde tempos remotos existia essa comunicação: alguém batia para se comunicar com o outro. A bateria é a pulsação da música, o coração dela, algo muito importante. Como eu posso dizer? Ela é uma vibração, com você tocando… é sensacional! A percussão é muito forte, transcende a realidade, propõe uma viagem, é algo sensacional, te leva a um astral fabuloso!
Parahyba: Costumo brincar que os primeiros músicos que existiram foram os percussionistas, são a energia das pessoas porque fazemos ritmo, e o ritmo é o que o coração também faz. A vida tem ritmo.
Como foi embarcar no rap e trabalhar com o D2?
Mamão: Olha, o D2 é cantor, compositor, rapper, amigo… Ele chega sabendo o que ele quer e falando o que quer, sabe? Isso é muito importante para a integração. Não tem grilo, a gente vai embora! A experiência com ele é fabulosa! Além de abrir uma oportunidade para vários músicos participarem, acho isso é muito legal, é fantástico! E o João é incrível, nossa química é fabulosa! A gente embarca mesmo…
Parahyba: O D2 é um garoto perto da gente, mas ele conversa do mesmo jeito, como se fosse alguém que começou com a gente! Ele busca exatamente isso: uma comunhão. Admiro o Mamão, o Mamão me admira, nós dois admiramos o D2. Cada um de nós tem a sua linguagem, e quando a gente se junta, sai tudo o que queríamos. Uma grande reunião, uma grande consagração!
Zoom Meeting | 10:00 | terça-feira, 25 de agosto de 2020
NOIZE > Sain > Ogi
Oi, Sain e Ogi! Vamos começar nosso papo por aí? O trampo de vocês está muito conectado com os territórios, como as cidades impactam nos seus trabalhos? O que o RJ emprega no teu som, Sain? E o que São Paulo faz com o seu, Ogi?
Sain: O rap tem uma parada de ser muito cronista, sa’comé? Isso é um bagulho certo, sempre vai estar de acordo com o local em que está sendo feito. E é nisso que eu me amarro: do Brasil ser um país com uma cultura diversificada de ponta a ponta e de ter vários MCs de tudo quanto é parte. Ah, e o Rio é isso, a gente tem essa malandragem carioca, né, da rua, daquele pique.
Ogi: É bem isso, cara. São Paulo já é uma cidade com mais concreto, não tem praia, tá ligado? Correria é maior! Por exemplo, não dá tempo de você parar e ir dar uma relaxada na praia, o que seria importantíssimo. Talvez isso deixe o rap daqui com essa cara mais cinza. Como o Sain falou, cada região tem a sua cara porque o Brasil é um país continental. O que São Paulo dá para o meu rap é essa coisa mais dura, voltada para cidade, da correria, do cinza. Isso tudo me influencia muito, as coisas que vivi nas ruas daqui.
Minha próxima pergunta é sobre o disco do D2. Vocês lembram que ideia criaram na mente na primeira vez que ouviram o título? E já emendo: o que o tambor representa pra vocês?
Sain: Cara, a primeira parada que veio quando meu pai falou Assim tocam os MEUS TAMBORES foi um cientista cheio de tambor no laboratório, tá ligado? Do tipo: “isso aqui que eu faço com os tambores, a minha arte é essa” (risos). A gente tem uma ligação muito grande com o tambor, o rap é em cima de marcação. Até mesmo o próprio funk… A maior parte dos ritmos que eu escuto tem muita marcação de percussão, o ritmo em cima disso, sa’comé?
Ogi: Pô, estou acompanhado esse trampo do D2 na Twitch desde que ele anunciou, nem tinha me convidado ainda e eu já estava entrando ali para ver as entrevistas. Pensava: “caraca, mano, que ideia louca”, chamar os caras pra fazer na hora, ver uma galera chegar junto. E p****, o D2 é uma cara que sou muito fã. Para mim, é na mesma proporção que o Mano Brown, tá ligado? Acho que eles têm a mesma importância pro rap, ao meu ver, sou muito fã dos caras, de verdade. Quando ele me fez o convite, mano, nem acreditei! Fiquei muito emocionado, muito agradecido por isso e feliz de ter contribuído com ele nessa faixa, ter chegado junto com ele nessa. Ouvi o disco e tá muito foda, de verdade mesmo. Acho que vai fazer barulho pra c****** quando sair! Gosto muito das músicas: “AS SEMENTES”, “A VERDADE NÃO RIMA”… são várias fodas!
Sain: Esse sample é uma sacanagem! Meu deus do céu, pesado. E um ponto muito foda é expor a fragilidade que existe em construir um disco, de mostrar os erros, de ir chamando outras pessoas para ajudar, da necessidade do artista de buscar as coisas. Achei isso muito irado, foi um bagulho que humanizou o projeto, sacou?
Ogi: Cara, eu falei pro NAVE: o que D2 fez foi muito audacioso, muito difícil, e ele conseguiu.
Sain: Pois é, eu não sei se eu teria coragem de fazer isso.
Ogi: Eu já pensei nisso porque eu sou muito retraído no meu processo de criação, fico muito sozinho. É por isso que eu falo que o D2 tem essa longevidade, mais uma vez, criou uma coisa que ninguém tinha feito. Esse é o diferencial do cara, mano. Tem que sempre respeitar e bater palma.
Sobre a parceria, é a primeira vez que o Ogi colabora com o D2, enquanto Marcelo e Sain não precisa nem falar nada. Sain, como é ser um veterano em feats com o D2? E Ogi, como é ser um novato nisso?
Ogi: Nesse ano sombrio, foi como uma luz. Sou muito fã de rap, então para mim, foi a realização de um sonho. Espero que a minha parceria com ele continue para sempre, que a gente consiga fazer muitas músicas mais, sacou?
Sain: Sim! Cara, pra mim é até meio complicado porque é isso, enquanto artista é uma referência para mim, e também é o meu pai. Tem um conforto em estar ali participando com ele, mas sempre tem a vontade de mostrar um bom serviço por causa de tudo que ele faz, sabe como é? Por tudo que ele fez. Sempre bom demais trabalhar com ele, abre muitas janelas na minha cabeça sobre o que fazer. Ele é um cara que tem uma visão muito ampla de tudo.
Pensei de falarmos sobre planos: algo que não rolou, como tá a criatividade em meio a tudo isso? O que vocês estão desejando a longo prazo?
Sain: No começo da quarentena, estava meio devagar para criar. Tinha acabado de lançar o Slow Flow (2020), ia sair em turnê e pá, e deu uma travada. Comecei a fazer mais músicas, pensei “vou ocupar a minha cabeça, vou fazer música nova”. Agora cheguei em um ponto que estou com umas paradinhas, começando a peneirar para montar um disco novo. Achando um caminho no que eu tenho aqui, mas também acho que inspiração é 10%. A gente tem que ficar ali, botar o beat no ouvido, escrever e uma hora vai sair algo maneiro. Achar que é só sentar e esperar vir uma luz…
Ogi: Muito raro isso acontecer!
Sain: Exato, tem que se forçar o tempo inteiro.
Ogi: O que me salvou de não ficar meio pirado nessa fase foi justamente ouvir música, cara. E fazer música. Estou fazendo um disco com o Kiko Dinucci, que inclusive está no ATOMT, e está sendo o trabalho mais diferente da minha carreira porque estamos construindo tudo em cima do que eu escrevo. Gravo alguma coisa em cima de um loop de um sample ou em cima de uma bateria, mando para ele e ele reconstrói tudo cadenciado com a minha levada e com o que eu estou cantando. Era para ter saído neste ano mas atrasou por conta da pandemia. Vamos lançar no ano que vem, já tenho quase dez músicas prontas, quero completar em doze. E tem um single para sair esse ano ainda.
WhatsApp | quarta-feira, 26 de agosto de 2020
Grupo Brenda Vidal, Anelis Assumpção e Juçara Marçal:
O ano de 2019 marcou os 70 anos de Itamar Assumpção. Essa data foi comemorada de várias formas, entre elas com a realização do espetáculo musical Pretoperitamar – o Caminho que vai dar aqui, com a direção da Grace Passô, concebido por você, Anelis, e com você, Juçara, como um dos grandes nomes do elenco. O que a presença de cada uma de vocês no projeto significou uma para outra?
Anelis Assumpção: Significou tudo que eu estava buscando: Presença preta, de um corpo que tem a memória com muitas intersecções, assim como o meu, o do Itamar, com a família, com as pessoas todas que estavam ali! A Juçara é uma cantora, uma intérprete das mais preciosas da música brasileira. Ela tem uma entrega de interpretação muito grande e já faz um tempo que também vem jogando esse corpo para o teatro. Foi muito rico ver a Juçara sendo dirigida pela Grace, um encontro de mulheres pretas ressignificando essa história. Para mim foi um gol, um ponto, um acerto!
Juçara Marçal: Foi muito emocionante. Estava vivendo um final de ano absolutamente enlouquecido, com a agenda muito lotada. Quando vi que ia rolar a Pretoperita, me organizei para comprar ingresso para o único dia que eu tinha livre e era o dia da estreia! Saí super comovida! Um espetáculo belíssimo, todos arrasando muito, a poesia e a força humana, artística, ancestral do Ita pulsando lindamente. Beleza… Segue o baile…
Finalzinho do ano, dia 12 de dezembro, para ser exata, aparece Zap da Anelis: “Ju, a Tulipa (Ruiz) vai pra China em janeiro. Vc poderia/toparia fazer a Pretoperita no lugar dela?”. Imagina quantas vezes eu caí da cadeira quando li isso? Surpresa absoluta. Alegria Imensa. E achei muito louco porque tinha programado de liberar um pouco a agenda no início do ano por causa do disco novo… Então, quando veio o convite, pensei, avaliei a fogueira e resolvi saltar nela! (risos). Disse adeus à agenda livre de janeiro, às férias, e passei a virada do ano estudando Itamar. Não poderia ser melhor.
Anelis e Grace, todos do elenco e da equipe me receberam de um jeito tão acolhedor, tão afetuoso, respeitoso que, mesmo tendo a tarefa árdua de substituir a Tulipa (que estava arrasadora no espetáculo), consegui usufruir da energia vital que rola na Pretoperita. Uma sorte imensa, uma alegria retumbante, e uma oportunidade como poucas de aprender, de mergulhar de cabeça num desafio (coisa que eu adoro), com tanta gente talentosa junta. Foi e é muito axé. Salve Ita!
Esses dias me peguei ouvindo a faixa “Vida de Artista” de Itamar, e fiquei curiosa para saber: o que tem resumido ser vida de artista para vocês?
Juçara Marçal: Afe! Itamar já descreveu tão bem nessa canção que qualquer coisa que eu diga vai soar redundante. Esse lance de se espalhar em muitos eus, que podem ser os “eus” da canção, mas são também os que você forja para seguir vivendo e trabalhando com música nesse país. Agora mesmo, com essa pandemia, estamos nós aqui, achando (ou procurando loucamente sem achar, mas sempre na busca) outras maneiras de dizer, de cantar, de escrever, tocar… ser, enfim.
Anelis Assumpção: Essa música resume bem, né? Ela é um manual da existência artística, de uma categoria artística, na verdade. Nem todos os artistas se identificam com essa pluralidade: de serem pessoas normais, comuns, que fazem muitas coisas diferentes e que a arte e o exercício da prática da arte é um ofício dentro dessa existência, mas que há outras verdades também. A minha vida de artista é muito parecida com o que essa canção diz, no sentido de conduzir, de ter muitas frentes de trabalho, de cuidar de uma família, e as normalidades todas humanas… graças, né? Que bom, nenhum tipo de glamour, ou de privilégio que se supõe ter um artista no Brasil. Para mim, vida de artista é uma vida de ralação, uma vida como a de qualquer outro trabalhador brasileiro. A minha casta de artista trabalha muito, rala muito, se inventa, se reinventa, busca, pesquisa, descobre, redescobre, paga impostos, tem muitas dívidas (risos), trabalha muito e ganha pouco dinheiro.
Vocês já tinham colaborado com D2 antes? Como se deu a parceria no novo disco dele?
Anelis Assumpção: Não, nunca. Eu conheço ele de rolês da música, mas nunca tínhamos trabalhado. Já tinha trabalhado com o BNegão, tenho mais proximidade com ele e com o Black Alien, mas com o Marcelo eu não tinha intimidade. Ele me procurou por conta da aventura de criar um disco dentro da linguagem da virtualidade, dentro da quarentena com as possibilidades à distância, de interação de pessoas diferentes. Um projeto bem ousado, achei muito interessante. As pessoas comentaram que gostariam de mais presenças femininas e ele me disse que o meu nome foi muito bem cotado. Fiquei muito contente em ser lembrada, acredito que o D2 tenha um público diferente do meu, então é um sintoma interessante para mim. Ele me mandou uma base com uma ideia de letra, uma parte da letra feita, e eu de pronto – como uma boa Taurina com ascendente em Capricórnio: missão dada é missão cumprida –, botei os versos que achei que faziam sentido ali depois das nossas conversas. A faixa ficou muito forte, muito potente, acho que é um disco que vai ter um impacto muito interessante nesse tipo de produção. Não é fácil gravar a distância, é difícil de achar a temperatura de uma interpretação dessa forma. Tem uma urgência e uma ansiedade que a virtualidade impulsiona… Uma grande novidade para todos.
Juçara Marçal: Nunca, foi outro convite que me causou muita alegria e surpresa boa, curto o D2. O lance que ele fez com a linguagem do rap brasileiro é muito especial, tem pegada e personalidade. Já é uma referência. Para fazer, foi simples… Ele mandou o áudio com uns rascunhos de melodia. O Kiko Dinucci fez o mesmo. A partir disso, fiz a melodia do refrão, o Kiko fez boa parte da letra e eu concluí. Ficou massa, pra letra, pensamos em um lance meio jongo, saudando a “ngoma” (que significa ao mesmo tempo o tambor e a junção de forças que o tambor traz). Depois, teve mais um convite: para fazer os vocais da parceria dele com o Ogi, que já é parça de outros carnavais (risos). Aí foi divertilândia pura. Gravei tudo em casa. Na verdade, nem estou em SP, mas trouxe o básico para fazer gravações aqui. Mandava as tracks separadas de voz e ele mixou tudo por lá. Bem no jeito que é possível fazer rolar as coisas atualmente, né? Salve as conexões!
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 104 da revista NOIZE, lançada com o vinil de Assim Tocam os MEUS TAMBORES, em 2020.
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