Populismo: o que é, afinal?

Conceito sobre o qual ainda não há consenso acadêmico, o populismo é associado a vários líderes políticos e movimentos históricos. Aprenda mais sobre o termo!

Jan 26, 2025 - 15:32
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Populismo: o que é, afinal?

Uma palavra que por vezes aparece ao se falar de política, e que gera dúvidas. O populismo pode causar confusão porque nem sempre aparece sozinho, mas é, na verdade, uma tática, entre várias outras, utilizada por políticos que desejam ser aceitos pela maior parte da população.

Muitos autores e pesquisadores se debruçam hoje sobre o tema, já que vemos uma grande onda de discursos que se assemelham ao populismo atualmente. Neste texto, iremos abordar do que se trata o populismo e como ele se manifesta na política. Acompanhe a leitura.

O que é o populismo?

Segundo Cas Mudde, professor da Universidade da Geórgia (EUA), o populismo considera que a sociedade se divide em dois grupos antagônicos, o ‘povo puro’ e a ‘elite corrupta’”, no qual o líder populista está sempre ao lado do povo.

Essa aparente aproximação e revolta contra o sistema econômico e político já se mostrou muito eficaz para a captação de votos e apoio em eleições, além de ser usada como justificativa para ações políticas mais radicais que não seriam naturalmente aceitas.  

Também é importante observar que o populismo pode ser classificado de direita ou de esquerda, e por isso pode gerar confusão. O que vai diferenciar esses discursos populistas, depende, portanto, das medidas políticas atreladas ao seu porta-voz.

Além disso, de acordo com Guillem Vidal, pesquisador do European University Institute (Itália), os populismos de cada lado possuem definições distintas para o termo “povo”, sendo essa a principal controvérsia entre eles. 

O povo pode ser tanto uma concepção civil, quanto étnica. A direita defende geralmente o conceito étnico, de onde surgem suas críticas contra a imigração. A esquerda define o “nós” do ponto de vista social, que abrange a população como um todo, e inclui imigrantes.

Para Laclau (2005), o populismo acontece quando existem vários grupos na sociedade com problemas que não foram resolvidos, ou seja, demandas insatisfeitas. Mesmo que esses problemas sejam diferentes, esses grupos começam a perceber que têm algo em comum: uma insatisfação com o sistema político que não atende suas necessidades. 

Assim, eles se unem em torno dessa insatisfação e passam a agir juntos, como se estivessem lutando pela mesma coisa. Para isso, é necessário que esses grupos estejam mobilizados, ou seja, organizados e prontos para se fazerem ouvir. Dessa forma, o populismo surge da união de diferentes demandas que se conectam em uma luta coletiva.

Nesse contexto, o líder em questão encontra espaço para falar em nome dessas demandas e desse grupo mobilizado, e passa a ter uma grande aceitação. Vale ressaltar que o líder em questão não precisa ser necessariamente uma pessoa, e pode se manifestar muitas vezes através da mídia.

O professor da FGV, Guilherme Casarões, também explora a relação entre o populismo de direita e o nacionalismo religioso, argumentando que essa combinação tem sido uma ferramenta eficaz para legitimar líderes populistas e justificar suas políticas, tanto internamente quanto na arena internacional. Ele sugere que o uso do nacionalismo religioso serve para consolidar uma base de apoio leal, ao mesmo tempo, em que promove uma agenda política específica.

Populismo nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o pensamento populista se originou do movimento Know nothing (“Sabe Nada” em tradução livre), movimento de direita que surgiu na década de 1840 para fazer oposição à imigração irlandesa católica e alemã. Alguns protestantes americanos viram essa migração como uma ameaça, por considerarem que os estrangeiros roubariam seus empregos e influenciaram a cultura do país.

Texto: Populismo: o que é, afinal?
Bandeira utilizada pelos Know-nothing, com os dizeres “Americanos nativos, atenção à influência estrangeira”. Imagem: CRW Flags.

Em 1854, o movimento criou o American Party (Partido Americano), que exigia restrição à imigração e tinha como bandeira a proposta de exigir residência fixa mínima de 21 anos para fornecer cidadania americana para esses imigrantes. No ano seguinte, houve uma divisão dentro do movimento entre os que eram pró e contra a escravidão.

Já o populismo de esquerda dos Estados Unidos começou também em 1880, pela iniciativa de fazendeiros, devido à queda do preço do algodão no sul do país, da seca e das altas taxas cobradas por banqueiros e empresários. Fundaram então o People’s Party (Partido do Povo), cujo objetivo era nacionalizar as ferrovias, desfazer grandes acordos comerciais e exigir um máximo de 8 horas de trabalho por dia.

Representações recentes dos EUA

O Tea Party surgiu em 2009 como reação ao resgate econômico de 2008 e se opôs à reforma da saúde de Barack Obama, o então presidente dos Estados Unidos. O movimento existe até hoje, e reúne mais de dois mil grupos. Liderado por Sarah Palin, Ron Paul e Rand Paul, é visto como um populismo de direita ligado ao Partido Republicano.

Outro exemplo é o Occupy Wall Street, iniciado em 2011, em Manhattan, com o lema “Nós somos os 99%”. Representava a maioria contra a elite financeira, combinando uma agenda de justiça social com populismo de esquerda (Mudde e Kaltwasser, 2017).

Segundo Chomsky (2013), denunciava desigualdades e o poder das instituições financeiras. Para Slavoj Žižek, o Occupy rejeitava o capitalismo como sistema e defendia reinventar a democracia. Enquanto o Tea Party representa um populismo conservador, o Occupy simboliza uma visão progressista de mudança social e econômica.

Você também pode acessar nosso conteúdo em vídeo sobre o assunto!

Populismo na América Latina

Na América Latina, o populismo teve seu papel na história, e sua marca foi a relação direta entre o povo e os líderes populistas, que falavam diretamente com as pessoas de modo carismático e popular. Governos populistas de destaque foram: Getúlio Vargas, no Brasil, Lázaro Cárdenas del Río no México, e Juan Domingo Perón na Argentina.

A crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) aumentaram as tensões políticas e sociais na América de modo geral, levando muitos governos da América Latina a controlar os movimentos sociais, que cresciam devido à insatisfação da época. 

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Gatúlio Vargas e comitiva. Imagem: Assembleia Legislativa de São Paulo.

A crise de 1929 afetou muito a economia da região, que ainda era predominantemente agrícola e dependia muito da exportação de suas produções. A diversificação da economia passou a ser uma prioridade, fazendo os governos adotarem políticas para a industrialização. 

Getúlio Vargas é frequentemente citado como um dos principais líderes populistas da América Latina. Seu governo é caracterizado pela centralização do poder e pela implementação de políticas que buscavam aproximar o Estado das massas trabalhadoras urbanas. Vargas utilizou uma retórica nacionalista e promoveu reformas sociais que lhe garantiram amplo apoio popular.

O presidente se comunicava de maneira simples e popular com as massas, o governo utilizava o rádio divulgando os avanços e ganhos dos trabalhadores, o que lhe garantiu o título de “pai dos pobres”. Os políticos que vieram em seguida souberam utilizar desse modelo para se estabelecerem no poder, inclusive o próprio Getúlio, reeleito em 1950.

Lázaro Cárdenas del Río, presidente do México de 1934 a 1940, é considerado um dos primeiros líderes populistas da América Latina, marcado por sua conexão com as massas populares. 

Seu governo promoveu uma ampla reforma agrária, redistribuindo terras a camponeses, e nacionalizou a indústria petrolífera em 1938, criando a Petróleos Mexicanos (PEMEX). Essas ações fortaleceram o papel do Estado na economia e consolidaram sua imagem como líder carismático e defensor da justiça social.

Juan Domingo Perón, presidente da Argentina entre 1946-1955 e 1973-1974, é um dos principais líderes populistas da América Latina. Seu governo promoveu direitos laborais, nacionalismo econômico e justiça social, usando carisma para mobilizar apoio popular e estabelecer uma relação direta com o povo.

Perón implementou políticas de substituição de importações, fortaleceu sindicatos e ampliou direitos trabalhistas, consolidando sua base entre trabalhadores urbanos. Suas ações exemplificam o populismo latino-americano no período.

Representações recentes na América Latina

Confira as figuras políticas que representaram o populismo na América Latina.

Lula

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, e novamente desde 2023, representa o populismo de esquerda. Apesar dos avanços sociais com programas como o Bolsa Família, Lula enfrentou críticas por alianças políticas oportunistas que fortaleceram práticas tradicionais de poder. Escândalos como o Mensalão e a Lava Jato evidenciaram falhas em seu discurso de renovação ética, minando a confiança em sua promessa de transformar o sistema político e social.

Javier Milei

Javier Milei, presidente da Argentina desde 2023, traz um populismo de direita libertária com propostas radicais como a dolarização e o desmonte do Estado. Embora seu discurso anti-sistema tenha atraído eleitores desiludidos, ele simplifica questões complexas e propõe medidas que podem aprofundar a crise econômica argentina. Sua postura personalista, combinada com um discurso de confronto, ameaça a estabilidade institucional e dificulta a construção de consensos necessários para governar um país em crise.

Bolsonaro

Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil de 2019 a 2022, simboliza o populismo conservador de extrema-direita. Bolsonaro polarizou o país com discursos baseados em valores tradicionais e no combate ao “comunismo”, mas sua retórica frequentemente atacou instituições democráticas e fomentou a desinformação. Sua gestão foi marcada por uma condução desastrosa da pandemia de COVID-19 e conflitos constantes com o Judiciário, aprofundando divisões sociais e fragilizando a democracia.

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Populismo hoje no mundo

O populismo tem se consolidado como uma força política significativa em diversas partes do mundo nos últimos anos. Líderes populistas de extrema-direita têm alcançado vitórias eleitorais expressivas, refletindo um descontentamento crescente com as elites políticas tradicionais e uma resposta a crises econômicas e sociais. Partidos neofascistas, por exemplo, obtiveram sucessos notáveis em países como França, Itália, Países Baixos, Suécia e Finlândia.

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Donald Trump. Imagem/Reprodução: Startups.

Além disso, análises indicam que fatores como a desconfiança na capacidade dos governos em resolver problemas econômicos e migratórios contribuem para o crescimento do populismo de extrema-direita na Europa. 

O populismo de direita contemporâneo frequentemente adota uma postura antielitista, criticando elites políticas, econômicas e culturais, e responsabilizando-as por crises sociais e econômicas. Líderes como Donald Trump (Estados Unidos), Viktor Orbán (Hungria) e Jair Bolsonaro (Brasil), e Javier Milei (Argentina), utilizam essa narrativa para atacar instituições globais, como a ONU e a União Europeia, acusando-as de promover agendas desconectadas dos interesses do “povo”. 

Essa retórica está associada ao nacionalismo e ao protecionismo, enfatizando a soberania nacional em oposição à globalização

Já o populismo de esquerda atual se caracteriza principalmente por uma retórica antielitista direcionada contra corporações multinacionais, instituições financeiras globais (como o FMI) e políticas neoliberais. Líderes como Andrés Manuel López Obrador (México), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia), Pedro Castillo (Peru), posicionam o “povo trabalhador” ou “classes oprimidas” em oposição a elites econômicas e políticas, buscando legitimar sua agenda redistributiva, assistencialista e nacionalista.

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia desde 2014, e fora do eixo ocidental, se caracteriza por sua liderança populista de direita, marcada pela promoção do nacionalismo hindu, buscando redefinir a identidade nacional indiana com base em valores hinduístas. Modi utiliza uma retórica que exalta o que diz ser o povo verdadeiro hindu, em oposição a elites percebidas como corruptas ou influências estrangeiras, posicionando-se como representante das massas.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) alertou para a ascensão “extremamente preocupante” do populismo globalmente, destacando que essa tendência está dividindo sociedades e radicalizando o discurso político. 

E você, acredita que o mundo está passando por uma onda populista? O que é populismo para você? Deixe suas visões nos comentários!

Publicado em 02/05/2017. Atualizado em 24/01/2025.

Referências