Os burocratas
Não importa explicar todos os detalhes, mas imaginemos que numa obra em curso os respectivos pagamentos estão previstos numa sequência que acompanha o decurso dos trabalhos. Terminada cada uma das fases pré-estabelecidas no caderno de encargos, o construtor emite um auto de medição que deve ser assinado por si e pelo dono da obra. A facturação e pagamento ocorrerá apenas após a verificação e medição por uma terceira entidade. Acontece que esta terceira entidade é também um habitat de sonho dos burocratas que nos emperram a vida e chegamos ao ponto em que, num dos autos de medição dos trabalhos efectuados, uma das rubricas tem a indicação de estar realizada em 50% (cinquenta por cento). Até aqui tudo bem. Após vários telefonemas e emails trocados, fui alertado que a evolução do respectivo trabalho tem de estar representada em decimal e não em percentagem. Dizem-me: ”O auto não está correto porque mantém os 50% nos primeiros artigos e não pode ser tem de ser 0.50, porque o auto é quantificado à unidade e não em percentagem.” E é nesta fase que entendemos como é difícil ser português. Não por causa da administação Trump, dos russos, dos espanhóis ou dos chineses, mas por causa dos portugueses. O primeiro impulso levar-me-ia a tentar trocar a falta de vírgula no texto pela vírgula exigida no auto de medição; a exigir-lhe a instrução de serviço em que se sustenta tamanha aberração; a uma explicação de Matemática ministrada por um aluno do primeiro ciclo; a explicar o clássico princípio contabilistico da Substância sobre a Forma; a telefonar ao chefe para interceder a favor da racionalidade, ou, após algumas horas de meditação, chá de hortelã e pés dentro de um alguidar com gelo, a ordeiramente telefonar ao construtor, lembrar-lhe que estamos em Portugal, com vergonha alheia pedir-lhe desculpa e solicitar a “correcção” do tal “erro”. Ao fim e ao cabo, não podemos hostilizar os burocratas, pois estes, sentido-se despeitados e ofendidos pela injúria, poderiam abrir toda a imensidão de pragas sem fim que emperrariam o "normal" decorrer dos trabalhos. Assim, depois de me aliviar com este postal, irei cordialmente dar seguimento ao solicitado para que esta seja apenas uma normal quarta-feira na República Portuguesa. PS: Mas, com alguma sorte, o link deste texto chegará ao alcance do burocrata em causa.
Não importa explicar todos os detalhes, mas imaginemos que numa obra em curso os respectivos pagamentos estão previstos numa sequência que acompanha o decurso dos trabalhos. Terminada cada uma das fases pré-estabelecidas no caderno de encargos, o construtor emite um auto de medição que deve ser assinado por si e pelo dono da obra. A facturação e pagamento ocorrerá apenas após a verificação e medição por uma terceira entidade.
Acontece que esta terceira entidade é também um habitat de sonho dos burocratas que nos emperram a vida e chegamos ao ponto em que, num dos autos de medição dos trabalhos efectuados, uma das rubricas tem a indicação de estar realizada em 50% (cinquenta por cento). Até aqui tudo bem.
Após vários telefonemas e emails trocados, fui alertado que a evolução do respectivo trabalho tem de estar representada em decimal e não em percentagem.
Dizem-me: ”O auto não está correto porque mantém os 50% nos primeiros artigos e não pode ser tem de ser 0.50, porque o auto é quantificado à unidade e não em percentagem.”
E é nesta fase que entendemos como é difícil ser português. Não por causa da administação Trump, dos russos, dos espanhóis ou dos chineses, mas por causa dos portugueses.
O primeiro impulso levar-me-ia a tentar trocar a falta de vírgula no texto pela vírgula exigida no auto de medição; a exigir-lhe a instrução de serviço em que se sustenta tamanha aberração; a uma explicação de Matemática ministrada por um aluno do primeiro ciclo; a explicar o clássico princípio contabilistico da Substância sobre a Forma; a telefonar ao chefe para interceder a favor da racionalidade, ou, após algumas horas de meditação, chá de hortelã e pés dentro de um alguidar com gelo, a ordeiramente telefonar ao construtor, lembrar-lhe que estamos em Portugal, com vergonha alheia pedir-lhe desculpa e solicitar a “correcção” do tal “erro”. Ao fim e ao cabo, não podemos hostilizar os burocratas, pois estes, sentido-se despeitados e ofendidos pela injúria, poderiam abrir toda a imensidão de pragas sem fim que emperrariam o "normal" decorrer dos trabalhos.
Assim, depois de me aliviar com este postal, irei cordialmente dar seguimento ao solicitado para que esta seja apenas uma normal quarta-feira na República Portuguesa.
PS: Mas, com alguma sorte, o link deste texto chegará ao alcance do burocrata em causa.