Mudar enquanto é tempo

(créditos: Expresso) Com o Governo de Luís Montenegro em velocidade de cruzeiro, cumprindo a sua gestão de “casos e casinhos” e protegendo os seus muitos emplastros, os portugueses preparam-se para os carnavais que aí vêm. Dos “genuínos”, espalhados por múltiplos pontos do país real, aos encenados, com as eleições autárquicas à cabeça e as presidenciais lá mais para a frente. Uma coisa é certa: com o Eça arrumado no Panteão Nacional não irão faltar motivos de interesse, folclore e animação. Os palhaços, as matrafonas, os arrumadores de malas, as charangas, os “senadores”, os candidatos às regionais de Março na Madeira, mais os das autarquias e o batalhão que se prepara para as presidenciais de Janeiro de 2026, não terão mãos a medir. Espero que, entretanto, a memória se mantenha viva e a vista do essencial não fique encoberta pelas roliças curvas das lulas que se preparam para desfilar sambando. Enquanto Marques Mendes não apresenta a sua candidatura, o PS tenta libertar-se do lodo acumulado e discute por onde e com quem “arruará” nas presidenciais, quero chamar a vossa atenção para os resultados da sondagem realizada pela GfK Metris, coordenada pelo ICS-UL e o ISCTE-IUL para o Expresso/SIC, e publicada em 31 de Janeiro pp. a propósito dqs eleições presidenciais que aí vêm. Creio, aliás, dever ser esta lida em conjunto com o excelente trabalho de Eunice Lourenço e João Pedro Henriques sob o título “Conselho de Estado passou a existir” e o resultado dessa mesma sondagem na parte respeitante ao balanço que os portugueses inquiridos fazem da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa. Se olharmos para os resultados da sondagem sobre as presidenciais, apurados num altura em que ainda não se conhecem as montadas e os jockeys que se predisporão a entrar na corrida a Belém, o primeiro dado que salta à vista é que o almirante dos submarinos, embora ainda não tenha emergido, e ninguém saiba se o fará nas Berlengas ou no Bugio, nem com que tripulação, ou o que pensa sobre coisas tão corriqueiras como touradas e javalis, sai à frente, tanto na primeira volta, como numa hipotética segunda, qualquer que seja o cenário desejado, ou apresentado, pelos autores da sondagem em função dos nomes que têm sido soprados. Se é também verdade que André Ventura já está, como sempre, com o pé no estribo e de megafone na mão, todos os outros, e não será só pela estatura, aguardam que lhes ajeitem o banquinho para poderem sentar-se no dorso do animal a tempo de chegarem ao starting gate.   Quer isto dizer que, salvo uma surpresa de última hora, os portugueses inquiridos, 50 anos depois do 25 de Abril, querem um militar, sem qualquer experiência política, executiva, parlamentar ou simplesmente partidária, na Presidência da República, sendo que os restantes nomes que lhes foram submetidos para apreciação eram todos de políticos, mais ou menos experientes, com raízes ou ligações profundas aos partidos da respectiva área política. Não concluo daqui que seja líquido os portugueses preferirem um militar a um político para PR, mas será legítimo concluir que os nomes que lhes foram apresentados não são representativos de um sentimento nacional, não oferecem confiança, e para muitos, como diria um amigo(*), apresentam o carisma de uma amiba, embora nenhum dos seus apoiantes os tenha confrontado com essa evidência weberiana. Olhe-se então para o artigo dos jornalistas do Expresso e o balanço do mandato de Marcelo em Belém. Começando por este, dir-se-á que, com mais ou menos selfies, piropos desajustados, por vezes mesmo ordinarecos, beijocas, copos de brandy-mel, saídas nocturnas ao Multibanco e as confusões do “Dr. Nuno”, só cerca de 30% dos portugueses consideraram o mandato negativo ou muito negativo. Há 61% que considerou essa prestação positiva, havendo mesmo 4% que a viram como muito positiva. Duvido que iguais percentagens, ou sequer semelhantes, fossem obtidas se o universo dos inquiridos sobre o desempenho de Marcelo se restringisse aos dirigentes dos partidos políticos com assento parlamentar. Mas ao mesmo tempo, e logo por cima do texto que nos apresenta este resultado da sondagem, o artigo sobre a prestação do Conselho de Estado nos mandatos de Marcelo revela que este inovou no funcionamento deste órgão, que passou a reunir com muito mais assiduidade, com “uma frequência quase trimestral” e com vários convidados em diferentes ocasiões. Curiosamente, um dos conselheiros mais à esquerda e mais críticos das prestações do PR, Francisco Louçã, elogiou, depreendo isso do seu testemunho, o funcionamento do órgão e disse que “[o] Conselho de Estado não existia, passou a existir com Marcelo”. Também Lobo Xavier, conselheiro escolhido pelo PR, afirmou que “o Conselho de Estado tornou-se muito mais interessante”. Sabe-se, pelo relato que nos é feito, que se abandonou o “ascetismo verbal” dos tempos de Cavaco Silva e que todos os conselheiros passaram a falar, o que será certamente de saudar em virtude daquele órgão de consulta do PR não deve

Fev 2, 2025 - 17:53
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Mudar enquanto é tempo

IMG_CDAE57657622-1.jpeg(créditos: Expresso)

Com o Governo de Luís Montenegro em velocidade de cruzeiro, cumprindo a sua gestão de “casos e casinhos” e protegendo os seus muitos emplastros, os portugueses preparam-se para os carnavais que aí vêm. Dos “genuínos”, espalhados por múltiplos pontos do país real, aos encenados, com as eleições autárquicas à cabeça e as presidenciais lá mais para a frente. Uma coisa é certa: com o Eça arrumado no Panteão Nacional não irão faltar motivos de interesse, folclore e animação. Os palhaços, as matrafonas, os arrumadores de malas, as charangas, os “senadores”, os candidatos às regionais de Março na Madeira, mais os das autarquias e o batalhão que se prepara para as presidenciais de Janeiro de 2026, não terão mãos a medir. Espero que, entretanto, a memória se mantenha viva e a vista do essencial não fique encoberta pelas roliças curvas das lulas que se preparam para desfilar sambando.

Enquanto Marques Mendes não apresenta a sua candidatura, o PS tenta libertar-se do lodo acumulado e discute por onde e com quem “arruará” nas presidenciais, quero chamar a vossa atenção para os resultados da sondagem realizada pela GfK Metris, coordenada pelo ICS-UL e o ISCTE-IUL para o Expresso/SIC, e publicada em 31 de Janeiro pp. a propósito dqs eleições presidenciais que aí vêm.

Creio, aliás, dever ser esta lida em conjunto com o excelente trabalho de Eunice Lourenço e João Pedro Henriques sob o título “Conselho de Estado passou a existir” e o resultado dessa mesma sondagem na parte respeitante ao balanço que os portugueses inquiridos fazem da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa.

Se olharmos para os resultados da sondagem sobre as presidenciais, apurados num altura em que ainda não se conhecem as montadas e os jockeys que se predisporão a entrar na corrida a Belém, o primeiro dado que salta à vista é que o almirante dos submarinos, embora ainda não tenha emergido, e ninguém saiba se o fará nas Berlengas ou no Bugio, nem com que tripulação, ou o que pensa sobre coisas tão corriqueiras como touradas e javalis, sai à frente, tanto na primeira volta, como numa hipotética segunda, qualquer que seja o cenário desejado, ou apresentado, pelos autores da sondagem em função dos nomes que têm sido soprados.

Se é também verdade que André Ventura já está, como sempre, com o pé no estribo e de megafone na mão, todos os outros, e não será só pela estatura, aguardam que lhes ajeitem o banquinho para poderem sentar-se no dorso do animal a tempo de chegarem ao starting gate.  

Quer isto dizer que, salvo uma surpresa de última hora, os portugueses inquiridos, 50 anos depois do 25 de Abril, querem um militar, sem qualquer experiência política, executiva, parlamentar ou simplesmente partidária, na Presidência da República, sendo que os restantes nomes que lhes foram submetidos para apreciação eram todos de políticos, mais ou menos experientes, com raízes ou ligações profundas aos partidos da respectiva área política.

Não concluo daqui que seja líquido os portugueses preferirem um militar a um político para PR, mas será legítimo concluir que os nomes que lhes foram apresentados não são representativos de um sentimento nacional, não oferecem confiança, e para muitos, como diria um amigo(*), apresentam o carisma de uma amiba, embora nenhum dos seus apoiantes os tenha confrontado com essa evidência weberiana.

Olhe-se então para o artigo dos jornalistas do Expresso e o balanço do mandato de Marcelo em Belém.

Começando por este, dir-se-á que, com mais ou menos selfies, piropos desajustados, por vezes mesmo ordinarecos, beijocas, copos de brandy-mel, saídas nocturnas ao Multibanco e as confusões do “Dr. Nuno”, só cerca de 30% dos portugueses consideraram o mandato negativo ou muito negativo. Há 61% que considerou essa prestação positiva, havendo mesmo 4% que a viram como muito positiva.

Duvido que iguais percentagens, ou sequer semelhantes, fossem obtidas se o universo dos inquiridos sobre o desempenho de Marcelo se restringisse aos dirigentes dos partidos políticos com assento parlamentar.

Mas ao mesmo tempo, e logo por cima do texto que nos apresenta este resultado da sondagem, o artigo sobre a prestação do Conselho de Estado nos mandatos de Marcelo revela que este inovou no funcionamento deste órgão, que passou a reunir com muito mais assiduidade, com “uma frequência quase trimestral” e com vários convidados em diferentes ocasiões.

Curiosamente, um dos conselheiros mais à esquerda e mais críticos das prestações do PR, Francisco Louçã, elogiou, depreendo isso do seu testemunho, o funcionamento do órgão e disse que “[o] Conselho de Estado não existia, passou a existir com Marcelo”.

Também Lobo Xavier, conselheiro escolhido pelo PR, afirmou que “o Conselho de Estado tornou-se muito mais interessante”.

Sabe-se, pelo relato que nos é feito, que se abandonou o “ascetismo verbal” dos tempos de Cavaco Silva e que todos os conselheiros passaram a falar, o que será certamente de saudar em virtude daquele órgão de consulta do PR não dever ser apenas um meio para alguns entrarem mudos e saírem calados, aproveitando para lá irem buscar umas senhas de presença enquanto fazem figura de corpo presente.

A consonância de posições entre Lobo Xavier e Francisco Louçã em relação ao funcionamento do Conselho de Estado parece-me que deve ser vista como um aspecto positivo – não sei se haverá mais algum – da acção do actual PR, traduzida na valorização desse órgão.

Como dali também resulta, e acontece em qualquer outro órgão com idêntica natureza, seja na política ou num universo empresarial ou académico, tudo dependerá de quem o dirige, da maior ou menor inteligência deste e dos objectivos que se propõe prosseguir.

Agora seria interessante os leitores interrogarem-se sobre as razões para os resultados da sondagem apresentada, quer quanto à hipótese, cada vez menos académica, de Gouveia e Melo se vir a tornar no próximo Presidente da República, quer no que respeita à apreciação positiva que é feita do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, não obstante a saraivada de críticas que sobre ele veio de todos os quadrantes.

Poderei estar enganado, mas a análise que faço dos números aponta para uma imperiosa necessidade de introdução de mudanças de fundo no funcionamento do nosso sistema político-constitucional e no regime político.

Os portugueses revêem-se cada vez menos nos seus partidos políticos e nos seus dirigentes. E isto é válido para todos, incluindo o “impoluto” Chega cuja percentagem de cadastrados, de arguidos e de gente com problemas na justiça já deve ter começado a colocar de sobreaviso muitos dos seus eleitores, certamente ainda a recuperarem do choque provocado pelas “malas do Arruda”.

Aqueles que se guindaram às posições de liderança e que surgem nas sondagens como potenciais candidatos à presidência da República surgem com percentagens absolutamente ridículas perante o almirante Gouveia e Melo e que, a manter-se este cenário, arrisca ser eleito à primeira volta e com uma maioria esmagadora atenta a fragilidade, esgotamento, cansaço e falta de empatia gerada nos eleitores pelos seus opositores.

Este é mais um reflexo da mediocridade inerente aos partidos do regime, da sua cada vez menor influência social e incapacidade para exercerem a sua função mediadora entre o eleitorado e as instituições, desfasamento e errada percepção da realidade, dos problemas e das preocupações dos portugueses, e de cujo universo ou campo político não consegue sair um candidato com estatuto e um mínimo de credibilidade que seja capaz de instilar um mínimo aceitável de confiança no eleitorado que lhe permita fazer frente ao almirante.

Tudo isto aliado a uma avassaladora falta de visão estratégica, envelhecimento dos quadros, ausência de qualquer renovação baseada em critérios de mérito, revelando mecanismos de recrutamento medíocre, uma inexplicável apetência para o envolvimento em escândalos, situações de duvidosa legalidade e fácil predisposição dos seus filiados a entregarem-se a lideranças destituídas de adequada formação política, ética e moral, vivendo num excruciante "salve-se quem puder" de cada vez que se abeiram do pote, ou em permanente forró e de costas voltadas para os eleitores.

Partindo do pressuposto, sempre rebatível e discutível de que os resultados da sondagem e as preferências reveladas correspondem à realidade factual e a um sentimento compartilhado pela maioria dos portugueses, quer-me parecer que estes estão cansados das condições de funcionamento do actual regime, cujo modelo há muito se esgotou por incapacidade dos próprios partidos. A popularidade do almirante e a predisposição para fazerem deste presidente é a melhor prova disso. E querem um regime com acentuação da vertente presidencial. Ou, pelo menos, não a veriam com maus olhos, atento o que se passa em São Bento, na Gomes Teixeira e nas sedes dos partidos.

Passada a época dos “grandes líderes”, de Freitas do Amaral a Álvaro Cunhal, de Sá Carneiro a Mário Soares, esgotado o filão dos seus delfins, e iniciada a época dos “caçadores de gambozinhos”, dos "autarcas", dos "gestores", dos "banqueiros", dos "merceeiros", dos "empreendedores" e dos simples labregos deslumbrados com as cores e a luz da capital, rapidamente esgotada no atoleiro, que teima em arrastar-se, independentemente da cor da cartola partidária, de casos de polícia e no palavreado, nalguns casos oco, noutros obsceno, de uns quantos inimputáveis e numa chusma de figuras menores, ignorantes e estruturalmente desonestas paridas pelos sinistros aparelhos partidários e as diversas seitas que por aí pululam, e que teimam em manter-se a bordo porque não há um capitão partidário com sentido de Estado e autoridade que as faça desembarcar na primeira ilha deserta, dando-lhes o tratamento que deveria ser dado às quadrilhas das claques futebolísticas, os portugueses viram-se de novo para o mito sebastiânico, do qual jamais se libertaram e que ciclicamente se apodera deles nos períodos de maior turbulência.

E continuando a ser verdade o que Schatschneider nos ensinou, seria bom que os partidos políticos, perante o que vendaval que aí vem, e que já aterrou noutras paragens, com resultados sinistros, se predispusessem a mudar, sob pena de isso lhes vir a ser imposto no futuro, pela via mais dolorosa, por um qualquer almirante "sem apoios", vindo disparado do fundo dos oceanos, a cavalgar uma onda impulsionada pelo canhão da Nazaré, por natureza avesso a apoios partidários e a jantaradas espontâneas promovidas pelas "personalidades", "democratas" e "cidadãos anónimos" do regime, e desejoso por desembarcar numa qualquer praia para desatar a vacinar todos os que lhe apareçam à frente, com uma seringa numa mão e a Constituição na outra.

Sabe-se lá com que antigénios e para obter que resultados.

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(*) Diz-me o meu amigo que a cunhagem foi de Constança Cunha e Sá. Fica o registo autoral. O seu a seu dono.