“Hoje podemos dizer que o cancro tornou-se uma doença crónica”
A inovação tecnológica na saúde está a permitir fazer diagnósticos mais cedo e oferecer uma medicina mais personalizada, destaca Isabel Vaz, que há 25 anos lidera a Luz Saúde. Uma das áreas onde existiram mais avanços foi no tratamento oncológico, seja na vertente cirúrgica seja na vertente farmacêutica. “Hoje podemos dizer que a doença oncológica […]
A inovação tecnológica na saúde está a permitir fazer diagnósticos mais cedo e oferecer uma medicina mais personalizada, destaca Isabel Vaz, que há 25 anos lidera a Luz Saúde.
Uma das áreas onde existiram mais avanços foi no tratamento oncológico, seja na vertente cirúrgica seja na vertente farmacêutica. “Hoje podemos dizer que a doença oncológica tornou-se uma doença crónica“, afirma a gestora em entrevista ao podcast À Prova de Futuro, apoiado pela Meo Empresas.
Isabel Vaz assinala que “mais de 50% do crescimento da despesa em saúde é explicável pela inovação tecnológica” e considera que o Serviço Nacional de Saúde tem feito um esforço notável para se modernizar. “O Estado português e o SNS têm feito movimentos de digitalização na área da saúde que há muitos países que não têm, e eu viajo por todo o mundo”, diz.
Está à frente da Luz Saúde desde que o grupo foi criado, há 25 anos. Como é que a tecnologia mudou a forma como são geridos hospitais neste quarto século?
De uma forma absolutamente avassaladora, ao mesmo tempo que magnífica. Temos tecnologia a todos os níveis, desde a prestação de saúde propriamente dita, e com o advento da inteligência artificial, na forma como vai alterar a forma como se faz medicina preventiva, como se diagnostica e como se trata, com modelos muito mais personalizados. Na prestação de cuidados de saúde é brutal o que aconteceu.
É possível fazer diagnósticos mais cedo.
Diagnósticos mais cedo, medicina muito mais personalizada. Está a alterar profundamente a forma como os médicos e os profissionais de saúde em geral trabalham. Depois temos a tecnologia clássica, dos medicamentos, dos grandes dispositivos médicos. É brutal a quantidade de tecnologia que todos os anos entra pelas nossas casas.
Graças a isso, hoje podemos dizer que a doença oncológica tornou se uma doença crónica. É brutal o desenvolvimento que houve a nível farmacêutico no tratamento do cancro, bem como os avanços cirúrgicos que hoje ainda são uma primeira grande linha de cura do cancro. Os blocos operatórios dos hospitais são completamente diferentes.
Nós tivemos o privilégio de em 2010 sermos os pioneiros da introdução da cirurgia robótica em Portugal. Na altura ainda tivemos que ir buscar médicos ao estrangeiro, porque não havia ninguém formado em Portugal.
A cirurgia robótica já é algo muito mais comum?
Ainda não transversal, porque de facto ainda é uma tecnologia cara. Há tecnologias alternativas que para o resultado que se pretende têm um custo-efetivo melhor, nomeadamente a laparoscopia convencional. Mas estão a haver evoluções gigantes na oferta de robôs cirúrgicos.
O que podemos ver a acontecer nos próximos anos em termos de avanços tecnológicos?
Vai haver cada vez mais competição no mercado da cirurgia robótica e, se quiser uma coisa mais futurista, já se fala em nanocirurgia. Ou seja, na nanotecnologia que entra dentro da corrente sanguínea e vai diretamente às células tumorais e destrói-as. Mais do que nunca o setor, e para mim que sou engenheira, é uma grande parceria entre os profissionais de saúde e os engenheiros.
Aliás, cada vez há mais perfis mistos, o que nos leva a outros desafios que o setor atravessa. Aquela ideia que se tinha, de que hoje uma pessoa tira o curso de medicina e exerce medicina direta, já é uma miragem. Há muitos anos nos Estados Unidos que não é assim. Uma grande percentagem dos estudantes de medicina segue carreiras na tecnologia e até double degrees em medicina computacional e programação.
A Luz Saúde está a recrutar também esses perfis, engenheiros e médicos com valências tecnológicas?
Sim, pessoas com valências, sobretudo em termos sistemas de informação, inteligência artificial. As carreiras médicas estão muito diversificadas. E não só os médicos, os enfermeiros também, os técnicos de saúde, os gestores. Estamos a viver um momento magnífico de desenvolvimento, avassalador.
Porquê? Porque a cadência com que a tecnologia está a chegar, nós ainda nem nos habituámos ao que saiu no mês passado e já nos está a cair em cima uma coisa nova. Não é só no setor da saúde, está a acontecer basicamente em todos os setores da economia.
Mais de 50% do crescimento da despesa em saúde é explicável pela inovação tecnológica. Ou seja, a inovação explica muito mais o aumento da despesa do que, por exemplo, a idade, contrariamente ao que as pessoas possam pensar.
Na saúde, os médicos e os profissionais de saúde, sendo pessoas com uma cabeça altamente inovadora, também são altamente conservadores, porque a tecnologia tem que provar que efetivamente se traduz em melhores resultados para quem estamos a tratar. E nem sequer podemos arriscar em aventuras. Mais de 50% do crescimento da despesa em saúde é explicável pela inovação tecnológica. Ou seja, a inovação explica muito mais o aumento da despesa do que, por exemplo, a idade, contrariamente ao que as pessoas possam pensar.
Será também cada vez mais uma medicina feita à distância?
Vai haver, cada vez mais, a chamada medicina digital. Os ganhadores vão ser aqueles que conseguem fazer aquilo que nós chamamos o phygital. Ou seja, vai ter que haver uma harmonização muito grande entre aquilo que deve ser feito presencialmente e aquilo que deve ser feito digitalmente.
Vai ser preciso criar um equilíbrio entre o físico e o digital.
São equilíbrios. Vai depender da condição de cada doente. Há pessoas que em determinadas fases de vida podem ser acompanhadas 95% por via digital, e há doentes, com multimorbilidades altamente complexas e com exacerbações da sua doença, em que se calhar é 95% presencial e 5% digital.
Uma das grandes alterações que temos hoje é a interoperabilidade tecnológica e entre sistemas. Uma das grandes ferramentas de engenharia dos processos em saúde, e hospitalares em particular, vai ser justamente a integração de startups que pegam numa parte de um processo que tem que ser integrado num processo maior. Isto hoje é um paraíso para os chief technology officers. Nós, no grupo Luz Saúde, gastamos entre 4,5 e 5% da nossa receita no acompanhamento da evolução tecnológica do setor.
Isso significa um investimento de que ordem de valor?
Nós hoje faturamos acima de 700 milhões. É fazer as contas.
E a tendência é para manter esse nível de investimento ou para acelerar?
A tendência é para se manter e até acelerar.
Aumentar essa percentagem?
Vai depender do nível de pressão que se tem para que efetivamente se consiga o retorno do capital investido na tecnologia. E esse retorno pode vir do aumento da produtividade dos profissionais de saúde – a capacidade que nós temos de tirar tarefas, que podem ser automatizadas ou facilitadas, a um recurso que é escasso, que é o recurso dos profissionais de saúde, porque o aumento de procura é gigante.
Esse aumento da procura acontece num contexto de falta de profissionais. A tecnologia pode vir a fechar esse fosso?
Não sei se fecha o fosso, mas sei que ajuda e bastante. Hoje a tecnologia ajuda as pessoas em self care, ajuda as pessoas a terem comportamentos mais racionais com a sua saúde, ajuda as pessoas a terem melhor acesso. E a interoperabilidade dos processos clínicos eletrónicos, a capacidade que nós hoje temos de partilhar informação, sempre com autorização do doente, permite efetivamente ter grandes ganhos em saúde.
O Estado português e o SNS têm feito movimentos de digitalização na área da saúde que há muitos países que não têm, e eu viajo por todo o mundo.
O Serviço Nacional de Saúde também precisa de um choque tecnológico?
O SNS, tal como o setor privado, somos todos prestadores e, portanto, o choque que nós estamos a ter eles também têm. É igualzinho, sem tirar nem pôr.
Mas o SNS está a ter capacidade para acompanhar esta transformação tecnológica?
O Estado português e o SNS têm feito movimentos de digitalização na área da saúde que há muitos países que não têm, e eu viajo por todo o mundo. Todo o circuito do medicamento, por exemplo. Nós vamos a uma farmácia e está tudo automatizado e está tudo em rede. Há muitos países altamente desenvolvidos em que isso não acontece.
Há também um processo clínico eletrónico. Nós temos que perceber que tudo isto são investimentos absolutamente gigantes, complexos de se fazer, e o caminho está-se a fazer. A SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) fez coisas fantásticas nos últimos anos. Está tudo feito? Claro que não. Ainda há muita coisa para garantir, há muita interoperabilidade de sistemas que é preciso fazer.
Se perguntarmos aos profissionais de saúde no terreno obviamente nunca chega, e ainda bem porque eles têm que continuar a picar os miolos – deixe-me dizer assim – para nós fazermos mais coisas.