Cientistas buscam patente de método ‘verde’ para tratar principal resíduo da indústria de papel
O ácido acético, um componente do vinagre, foi usado por pesquisadores da Unesp e da UFSCar para fracionar a chamada lignina kraft. Método permite obter nanopartículas com diferentes propriedades, inclusive proteção contra raios UV The post Cientistas buscam patente de método ‘verde’ para tratar principal resíduo da indústria de papel appeared first on Giz Brasil.
Texto: Karina Ninni | Agência FAPESP
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) usaram um solvente verde para promover o fracionamento da chamada “lignina kraft”, resíduo abundante da indústria brasileira de papel e celulose: o ácido acético – principal componente do vinagre. Trata-se de uma opção renovável e biodegradável, o que confere uma abordagem sustentável ao processo.
Como explica Jessica Rodrigues, engenheira química, doutora em ciência dos materiais pela UFSCar e atualmente pós-doutoranda na Unesp, campus de Sorocaba, a lignina é uma molécula altamente complexa e heterogênea, o que dificulta seu uso em diversas aplicações. Daí a ideia de fracioná-la, separando-a em porções específicas.
“Existem vários tipos de lignina: a kraft, a alcalina, a organosolv, a sulfonada, entre outras. Esses tipos variam conforme o tratamento da matéria-prima, já que os nomes se referem ao processo de extração da lignina. Quando o eucalipto é tratado pelo processo kraft para o isolamento da celulose, a lignina kraft é gerada como subproduto. Nós a escolhemos porque é o resíduo obtido em maior quantidade na indústria de papel no Brasil. Sabemos que suas estruturas fenólicas são aplicáveis em vários campos, desde materiais avançados até nanotecnologia. Assim, pegamos o subproduto da indústria e adicionamos valor a ele.”
A pesquisadora explica que a ideia partiu do fato de o ácido acético já ser utilizado para extração de lignina organosolv. “Então, pensamos: por que não usar o ácido acético para fracionar a lignina kraft? Ele é de baixo custo, se comparado ao metanol, ao acetato de etila e a outros solventes utilizados para esse fim, além de poder ser produzido a partir de resíduos. Sem contar que é seguro e, em baixa concentração, pode ser encontrado em produtos comerciais.”
A patente requerida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o número BR 10 2024 0201817, chama-se “Processo verde para obtenção de frações específicas de lignina kraft e aplicações em nanotecnologia” e envolve mais quatro cientistas, além de Rodrigues: Leonardo Fraceto, coordenador de Inovação do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), Vagner Botaro, Amanda de Sousa Martinez de Freitas e Marystela Ferreira.
O trabalho é apoiado pela FAPESP por meio de cinco projetos (23/06505-9, 22/03399-0, 17/21004-5, 23/00335-4 e 21/10639-5).
Rodrigues salienta que existem várias maneiras de fracionar a lignina kraft, como a precipitação com ácido sulfúrico, reduzindo o pH, ou ainda por ultrafiltração, separando por tamanho. Também é possível fracioná-la usando fracionamento sequencial em solventes orgânicos. “Conseguimos fazer o fracionamento com um único solvente, variando apenas as porcentagens de solvente.”
Proteção UV
O grupo percebeu que, ao utilizar 30%, 40% e 50% de ácido acético, obteve frações mais homogêneas de lignina e com diferentes propriedades. “A lignina fracionada com 30% de ácido acético é rica em grupos hidroxila [OH] fenólicos, enquanto a fracionada com 50% desse solvente é rica em OH alifático.” Esses grupos são indicadores usados na caracterização da lignina, que não é uma molécula bem definida.
Segundo Rodrigues, uma das propriedades do OH fenólico é a capacidade de proteção UV. “É possível produzir protetores UV a partir dessa lignina rica em OH fenólico, que foi o que acabamos fazendo aqui: obtivemos uma nanopartícula a partir de algumas frações dessa lignina e vimos que essa nanopartícula forma uma cápsula em torno do ativo que se quer proteger. E a eficiência de encapsulamento foi muito boa.”
Ela explica que, quanto maior porcentagem de OH alifático, menor é o tamanho da partícula. E quanto maior a porcentagem de OH fenólico, maior é o tamanho da nanopartícula e maior é a proteção UV.
Os pesquisadores estão estudando também a biodegradação das nanopartículas em solo e em água com o objetivo de reduzir, no ambiente, a emissão de microplásticos utilizados pela agricultura. Fertilizantes, herbicidas e outros produtos agrícolas que possuem componentes considerados microplásticos, ao serem aplicados em larga escala, acabam gerando impactos pelo acúmulo desse material no solo e na água.
O grupo está interessado no que chama de correlação estrutura-desempenho. “Esperamos, em algum momento, poder especificar as áreas de aplicação dessas nanopartículas quando têm maior porcentagem de OH fenólico e quando têm maior teor de OH alifático. Pensamos em termos de biorrefinaria: conseguir mostrar que cada fração da lignina é interessante para uma área de aplicação.”
Nesse sentido, os pesquisadores produziram vários artigos. O primeiro, sobre a própria patente, já foi submetido a um periódico de impacto internacional. “Em um segundo artigo, usamos as frações de lignina como estabilizante de outra nanopartícula já existente, produzida com polímeros biodegradáveis sintéticos. E testamos essas nanopartículas no controle de plantas daninhas, picão-preto e caruru. E, no último, testamos sua eficiência na liberação de fertilizante NPK no solo. Ou seja: desenvolvemos pesquisas em várias vertentes para fazer a prova de conceito da relação estrutura-desempenho.”
Biodegradação
Segundo Rodrigues, pela diversidade de aplicações, o grupo pensa em adicionar possíveis produtos derivados das frações de lignina à patente de processo já requerida. E, naturalmente, tentar fazer parcerias com a indústria. “Já estabilizamos as nanopartículas e, agora, queremos observar como elas se comportam nos testes de biodegradação, verificando se liberam microplásticos no processo.”
O grupo quer relacionar estabilidade e biodegradação, desenvolvendo protocolos para comprovar a biodegradabilidade. “Devido ao tamanho em nanoescala das partículas, a comprovação é desafiadora. Estamos estudando os protocolos já existentes e desenvolvendo os nossos.”
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