A perdida arte do Phreaking e as caixas coloridas

Descubra a arte perdida do Phreaking: hackers que burlavam sistemas telefônicos com caixas coloridas e engenhosidade nos anos 60 e 70 A perdida arte do Phreaking e as caixas coloridas

Jan 31, 2025 - 15:47
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A perdida arte do Phreaking e as caixas coloridas

Muitos (ok, não tantos, é Brasil) anos atrás, no tempo do telefone discado, eu aprendi o truque para burlar cadeado de telefone, um equipamento que bloqueava o disco e impedia que a gente fizesse chamadas.

OK, nem tão no passado assim. (Crédito: Reprodução Internet)

O truque era simples: Usava-se o “gancho” do telefone para interromper o sinal de discar, literalmente gerando pulsos que eram interpretados como números. Se você telegrafasse no ritmo correto, conseguia fazer uma ligação.

Sem saber, eu havia me tornado um Phreaker, nome dado nos EUA aos hackers, fuçadores que experimentavam, testavam e achavam meios de burlar a companhia telefônica.

Tempos depois começaram a aparecer os celulares no Brasil. No Rio, era inviável. A Telerj (Que Deus te destrua, já que os homens te toleram, nas palavras de Arnaldo Jabor) vendia linhas a preços exorbitantes, e somente mediante carta-convite. Se você tivesse padrinhos políticos, conseguia uma. Do contrário, ficava chupando dedo.

Um fim de ano fui passar com uma amiga no Espírito Santo (beijão, turca!). Ela andava com a maior naturalidade falando em um celular. Interrogada, explicou “fui na loja e comprei”. A TELEST, a operadora estatal local, era o oposto da maldita TELERJ. Tinham linhas sobrando, preços decentes, sem requisitos de apadrinhamento. “Quer ir na loja ver se tem para vender?”

Era um sábado, véspera de fim de ano. A loja fechada meio-dia. Corremos e sim, tinham celulares, só precisavam da minha identidade e... comprovante de endereço local. Felizmente minha amiga achou uma conta telefônica na bolsa, a moça da loja aceitou.

Ainda sem acreditar, acreditei menos ainda quando ela puxou uma folha de papel “escolhe seu número”. Saí da loja desejando tudo de bom pra TELEST, de posse de um Nokia 232 que seria ativado no máximo até o dia seguinte, mesmo sendo feriado. E foi.

De volta ao Rio, comecei a fuçar em BBSs e na Internet Primordial até descobrir segredos sobre meu aparelho, incluindo diversos códigos de operação. Alguns funcionam até hoje. Se você discar (eu sei) *#06# em seu celular, ele irá exibir uma tela com os IMEIs e números de série.

A desvantagem na época de ter um telefone do Espírito Santo morando no Rio, é que eu pagava o custo da ligação, o custo dos DDDs que fazia, e o custo do roaming, por estar fora da minha área original. Saía... saía bem caro.

Os códigos que descobri aliviaram isso, assumindo que pelo tempo tudo já prescreveu, do contrário entenda como ficção. O principal foi um código de reprogramação que enviava para a central a informação que o telefone não estava fora da área original, então não havia roaming a ser cobrado.

Desse dia em diante (hipoteticamente) as minhas ligações passaram a ser DDD normal, como se eu estivesse em Vitória, ligando para o Rio. Há até relatos de gente que conseguiu abolir o DDD totalmente, mas não cheguei a tanto.

Mal sabia eu que estava em excelente companhia, de gente do nível de Steve Wozniak e do... Capitão Crunch.

O movimento Phreak como um todo começou nos Anos 1960, quando um sujeito chamado John Draper.

A AT&T usava vários tons em frequências específicas para comandos internos em sua rede. Em especial um sinal de 2600Hz, que comandava a ligação para ser encerrada, liberando um tom de discagem. Draper descobriu que um apito de brinquedo que vinha nas embalagens do cereal Capitão Crunch emitia um sim na exata frequência de 2600Hz.

O famoso apito de 2.600 Hz do Capitão Crunch (Crédito: Wikimedia Commons)

Usando o apito, ele conseguia ligar para uma empresa qualquer, desconectar a ligação com o ramal e ganhar acesso a um tom de discagem, que poderia ser usado para ligações de longa distância e até internacionais.

A frequência ficou tão famosa que deu nome à 2600 Magazine, a Bíblia Hacker dos Anos 80/90, preservada aqui no Internet Archive!

Com mais gente fuçando, mais foi descoberto sobre as operadoras de telefonia, e a miniaturização dos componentes eletrônicos levou à criação da chamada Blue Box, um dispositivo que emitia tons na frequência de 2600Hz, discava via DTFM e praticava várias outras patifarias, para permitir ligações gratuitas, nacionais e internacionais.

Uma Blue Box construída por Steve Wozniak (Crédito: Wikimedia Commons)

Muita gente ganhou muito dinheiro com Blue Boxes, incluindo dois patifes: Steve Wozniak e Steve Jobs. Woz construía as Blue Boxes, Jobs vendia no mercado afro-americano pelo equivalente a uns US$ 6 mil hoje em dia. Sim, era ilegal, mas e daí?

Woz adorava se divertir com sua Blue Box, uma vez ele chegou a passar um trote para o Papa, imitando a voz de Henry Kissinger, chegou até o secretário pessoal, mas Sua Eminência estava dormindo.

Woz e sua Blue Box (Crédito: Reprodução Internet)

Já as operadoras, perdiam o sono. Phreakers descobriram que os telefones públicos emitiam tons em frequências específicas de acordo com as moedas que eram inseridas. Lembre-se, era uma época basicamente analógica, um orelhão era um terminal burro, toda a inteligência estava do outro lado da linha.

Um tom duplo, de 1700Hz e 2200Hz com duração de 66 milisegundos era entendido pelo computador da central como uma moeda de 5 centavos de dólar inserida no orelhão. Dois tons de 66ms separados por 66ms, representavam uma moeda de 10 centavos. 5 tons de 33ms separados por 33ms, 25 centavos.

As Red Boxes eram acopladas ao auscultador do telefone, emitiam os tons e você podia usar o orelhão de graça, o que era ruim pra operadora, mas ruim mesmo era que se você encerrasse a ligação, pois o orelhão devolveria o troco do dinheiro não-utilizado.

Muitas Red Boxes eram construídas com base em um discador DTMF da Radio Shack, modificado (Crédito: Reprodução Internet)

Foi um período de louca experimentação, phreakers e hackers descobrindo novas formas de burlar o Sistema, operadoras de telefonia, fabricantes de equipamentos de telecomunicação, polícia, FBI, todos atrás dos “vilões” e tentando tornar seus sistemas mais robustos.

No final, a digitalização tornou mais complicado, chato e desinteressante invadir sistemas telefônicos, a Internet era muito mais divertida, um verdadeiro recomeço, terreno virgem para testar, fuçar e aprender tudo de novo.

Hoje em dia o phreaking não existe mais, ninguém liga para telefones, mas não quer dizer que as Boxes morreram. Elas digievoluiram a um ponto onde atingiram sua Forma Final: O Flipper Zero, um dispositivo altamente questionável, que pode copiar/clonar seus cartões RFC, abrir seu carro ou sua garagem, identificar e spoofar dispositivos Bluetooth, achar a senha de um Wi-Fi e muitos outros usos mais black do que grey hat.

É recomendável comprar um brinquedo desses? Sinceramente acho que não, mas você sempre pode arrumar uma Blue Box, ligar e botar na conta do Papa.

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