Palácio de Belém: um reduto da misoginia
As mulheres continuam a ser elementos decorativos na República Portuguesa. Nem me refiro a velhos partidos que nunca tiveram lideranças femininas, como o PCP (fundado em 1921) ou o PS (fundado em 1973). Refiro-me ao próprio Estado. Em meio século de sistema democrático assente no sufrágio universal a Presidência da República só foi preenchida por homens. Nisto, apesar da retórica em contrário, a democracia actual pouco se distingue dos dois regimes das décadas precedentes. Desde 1976 tivemos dez escrutínios presidenciais. Com 54 candidatos - 49 presenças masculinas e apenas cinco femininas. Em sete desses escrutínios só concorreram homens: elas permaneceram à margem. Chocante disparidade. O cerco misógino rompeu-se fugazmente em 1986, com a candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo. Seguiram-se 30 anos de estrito monopólio masculino enquanto Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva se sucediam no Palácio de Belém. Em 2016 houve algo inédito: duas candidatas. Marisa Matias e Maria de Belém Roseira ousaram avançar. Cinco anos depois, a deputada bloquista tornou-se única mulher repetente numa corrida à suprema magistratura da nação. Num escrutínio em que também Ana Gomes marcou presença. Com que resultados? Ana Gomes foi a que até hoje teve mais sucesso: obteve 13% dos votos, ficando em segundo lugar - largamente ultrapassada pelo vencedor, Marcelo Rebelo de Sousa (60,7%). O segundo melhor resultado de uma mulher em candidaturas presidenciais foi o de Marisa: 10,1% em 2016, o que lhe valeu um terceiro lugar (o vencedor Marcelo recolheu 52% e Sampaio da Nóvoa ficou em segundo, com 22,9%). Cinco anos depois, recandidata, baixou drasticamente a percentagem, ficando só com 4%. Um pouco menos do que os 4,2% de Maria de Belém em 2016. A estreante Pintasilgo tombou para quinto e último na corrida presidencial de 1986: conseguiu apenas 7,4%. A igualdade de oportunidades, que tanto se apregoa na cartilha republicana, mal ultrapassa o patamar da propaganda. Mariana Leitão rompe o cerco, candidatando-se a Presidente da República Para 2026, prepara-se um cenário muito semelhante. Quase todos os nomes de que se tem falado ao longo dos últimos meses, com razão ou sem ela, são masculinos: Gouveia e Melo, Marques Mendes, António Vitorino, António José Seguro, André Ventura, Mário Centeno, Augusto Santos Silva, Aguiar-Branco, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso, Santana Lopes, Sampaio da Nóvoa, André Pestana. Daí a minha enorme satisfação por ver Mariana Leitão, líder parlamentar da Iniciativa Liberal, avançar com uma candidatura a Belém, naturalmente apoiada pelo partido. Conheço-a, gosto muito dela, sei que terá um bom resultado. E, desde já, abre uma fenda na muralha da misoginia dominante. Um trunfo a favor desta jogadora federada de bridge. De certeza que não se perturba por parecer carta fora do baralho: até sentirá um gosto muito especial nisso.
As mulheres continuam a ser elementos decorativos na República Portuguesa. Nem me refiro a velhos partidos que nunca tiveram lideranças femininas, como o PCP (fundado em 1921) ou o PS (fundado em 1973). Refiro-me ao próprio Estado. Em meio século de sistema democrático assente no sufrágio universal a Presidência da República só foi preenchida por homens. Nisto, apesar da retórica em contrário, a democracia actual pouco se distingue dos dois regimes das décadas precedentes.
Desde 1976 tivemos dez escrutínios presidenciais. Com 54 candidatos - 49 presenças masculinas e apenas cinco femininas. Em sete desses escrutínios só concorreram homens: elas permaneceram à margem.
Chocante disparidade.
O cerco misógino rompeu-se fugazmente em 1986, com a candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo. Seguiram-se 30 anos de estrito monopólio masculino enquanto Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva se sucediam no Palácio de Belém.
Em 2016 houve algo inédito: duas candidatas. Marisa Matias e Maria de Belém Roseira ousaram avançar. Cinco anos depois, a deputada bloquista tornou-se única mulher repetente numa corrida à suprema magistratura da nação. Num escrutínio em que também Ana Gomes marcou presença.
Com que resultados? Ana Gomes foi a que até hoje teve mais sucesso: obteve 13% dos votos, ficando em segundo lugar - largamente ultrapassada pelo vencedor, Marcelo Rebelo de Sousa (60,7%). O segundo melhor resultado de uma mulher em candidaturas presidenciais foi o de Marisa: 10,1% em 2016, o que lhe valeu um terceiro lugar (o vencedor Marcelo recolheu 52% e Sampaio da Nóvoa ficou em segundo, com 22,9%). Cinco anos depois, recandidata, baixou drasticamente a percentagem, ficando só com 4%. Um pouco menos do que os 4,2% de Maria de Belém em 2016.
A estreante Pintasilgo tombou para quinto e último na corrida presidencial de 1986: conseguiu apenas 7,4%. A igualdade de oportunidades, que tanto se apregoa na cartilha republicana, mal ultrapassa o patamar da propaganda.
Mariana Leitão rompe o cerco, candidatando-se a Presidente da República
Para 2026, prepara-se um cenário muito semelhante. Quase todos os nomes de que se tem falado ao longo dos últimos meses, com razão ou sem ela, são masculinos: Gouveia e Melo, Marques Mendes, António Vitorino, António José Seguro, André Ventura, Mário Centeno, Augusto Santos Silva, Aguiar-Branco, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso, Santana Lopes, Sampaio da Nóvoa, André Pestana.
Daí a minha enorme satisfação por ver Mariana Leitão, líder parlamentar da Iniciativa Liberal, avançar com uma candidatura a Belém, naturalmente apoiada pelo partido. Conheço-a, gosto muito dela, sei que terá um bom resultado. E, desde já, abre uma fenda na muralha da misoginia dominante. Um trunfo a favor desta jogadora federada de bridge. De certeza que não se perturba por parecer carta fora do baralho: até sentirá um gosto muito especial nisso.