O combate quotidiano
Hoje, enfrentamos um retrocesso civilizacional em que temos de lutar por manter direitos fundamentais e evitar ser esmagados pelas narrativas do movimento global da extrema-direita.
Faço parte da geração millennial que se adaptou a múltiplas transições, que ainda se recorda de viver num mundo analógico, em que as notícias tardavam a fazer o seu percurso até nós e podíamos acreditar naquilo que víamos e líamos. A nostalgia não me faz olhar para o passado com cores rosadas. Estou ciente de que, embora parecesse um mundo mais estável, não tínhamos acesso a toda a informação.
Hoje em dia, viver em tempo real, e sintonizados de forma permanente com o mundo, passou a ser o nosso modus vivendi, o que cria uma maior perceção de caos. Não conseguimos absorver o excesso de informação que estimula constantemente o nosso cérebro, gerando ansiedade e inquietação.
Tenho observado, com curiosidade, a forma como os americanos estão a reagir ao início de uma segunda presidência de Donald Trump, em especial os americanos que não votaram neste presidente e que estão impossibilitados de se mudarem para outro país.
Receiam a agitação política que aí vem. Leram a notícia de que Trump perdoou grande parte dos responsáveis pela violência e ataque contra o Capitólio há quatros anos. E interrogam-se sobre a possibilidade de os EUA entrarem num período de milícias armadas e guerrilha.
Muitos deles optam pelo escapismo e tentam negar que o mundo possa estar a mudar de forma irremediável. Desligam-se das notícias, vivem apenas para o seu círculo familiar e interesses pessoais, e evitam ser alarmados. Sabem que vem aí uma longa luta, mas receiam não ser capazes de aguentar o embate mental. E quem poderia culpá-los?
Nunca, na minha juventude, pensei que iria enfrentar, nesta altura, o mundo num estado tão transtornado. Hoje, enfrentamos um retrocesso civilizacional, como nunca antes visto, em que temos de lutar por manter direitos fundamentais e evitar ser esmagados pelas narrativas do movimento global da extrema-direita.
Houve uma altura em que eu diria que era preciso partir para a luta e gastar todas as nossas forças no combate, mas hoje penso de forma diferente. Se não formos capazes de preservar primeiro o nosso bem-estar, não conseguiremos vislumbrar um ponto de luz nas imensas trevas.
A uma escala individual pode parecer insignificante, mas os pequenos passos tomados para preservar o nosso bem-estar, seja de que maneira for, são também determinantes para ajudar a reduzir o caos que vive na nossa cabeça. Só assim poderemos então enfrentar o combate quotidiano e lidar com a turbulência do mundo exterior.
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