Crítica | O Auto da Compadecida 2 (2024): homenagem que diverte e respeita o clássico

Sequência resgata a essência da obra original apostando na química da dupla de protagonista, embora hesite em abraçar plenamente sua própria identidade. O post Crítica | O Auto da Compadecida 2 (2024): homenagem que diverte e respeita o clássico apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.

Jan 14, 2025 - 14:03
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Crítica | O Auto da Compadecida 2 (2024): homenagem que diverte e respeita o clássico

“O Auto da Compadecida” é meu filme favorito, e certamente um dos que mais assisti na vida. Por conta disso, não surpreende que um misto de desconfiança e esperança (mais da primeira) se formasse logo antes de revisitar esse universo e testemunhar a atualização de uma história tão enraizada não só na minha vida, mas na cultura brasileira. Felizmente, posso dizer que, apesar de alguns incômodos, saí da sessão de “O Auto da Compadecida 2” feliz.

O desafio dos diretores Guel Arraes e Flávia Lacerda não era tão simples. Dar continuidade a esse clássico significava trazer de volta a magia de uma obra que marcou gerações e, ao mesmo tempo, justificar sua relevância tantos anos após o primeiro filme. Cientes de que se equiparar com o longa original não era o caminho certo, a dupla preferiu apostar no seguro, focando em resgatar a agilidade do texto de Ariano Suassuna. Ao mesmo tempo, desenvolveram também uma identidade própria, com um visual mais lúdico composto por cenários artificiais que evocam as raízes teatrais do autor paraibano. Algumas vezes, esses dois aspectos acabam brigando por espaço, prejudicando momentos preciosos para uma melhor assimilação do conteúdo.

O tempo passou, não só entre um filme e outro, mas também em Taperoá, até que João Grilo e Chicó, figuras amadurecidas, mas ainda carregadas da mesma essência que conquistou o público, se reencontram mais uma vez, agora em uma cidade decadente após os acontecimentos passados. O retorno de João Grilo é a força motriz para uma transformação em Taperoá, que passa do declínio a um ápice que promove o surgimento de novidades, como também dilemas contemporâneos que reconfiguram o sertão ficcional da obra original, demonstrando uma estratégia narrativa que busca superar a simples nostalgia. A dinâmica entre os dois continua sendo o eixo central da trama, e vemos uma versão atualizada de suas contendas contra os detentores de poder, nas quais a esperteza e o bom humor são as armas que lhes restam.

As interpretações de Selton Mello e Matheus Nachtergaele firmam o alicerce sobre o qual “O Auto da Compadecida 2” se sustenta, retomando seus personagens com uma energia igualmente nostálgica e renovada. A química entre os dois é responsável pelos momentos mais impactantes do filme, que se beneficia da energia de Nachtergaele sempre que João Grilo assume o protagonismo. O personagem mais importante da produção literária de Suassuna continua sendo a pedra fundamental da trama, unindo sua astúcia característica com a humanidade que o aproxima da realidade brasileira. Por outro lado, Chicó segue como o motor emocional da história, e algumas pinceladas narrativas podem não serem aprofundadas, mas dão uma camada extra de sensibilidade muito bem-vinda ao personagem, especialmente em seu arco com Rosinha. Os causos de Chicó ilustrados de maneira singular também retornam com um novo estilo, em uma forma muito acertada de remodelar a obra sem fugir da sua natureza.

As participações coadjuvantes, concebidas para preencher as lacunas deixadas pelo elenco anterior, são bem interpretadas e roubam várias cenas quando aparecem, sobretudo Fabíula Nascimento e Luís Miranda. Porém, considerando o todo, esses personagens por vezes carecem de tempo, seja de introdução ou até mesmo para concluir suas participações, funcionando mais como adornos do que como elementos essenciais à narrativa. A sensação geral é que o respeito pela obra original se associou ao excesso de cuidado, e esse misto de sentimentos resultou em uma constante falta de confiança em abraçar o novo. Chegando ao terço final, essa carência de ousadia fica ainda mais exposta com a insistência em revisitar situações do primeiro longa, quem sabe em uma tentativa de agradar aos fãs. Mas fica claro que recorrer a fórmulas já conhecidas é um desperdício do potencial de expansão do universo ficcional.

Mesmo assim, essas escolhas são permeadas por reflexões que mantêm viva a essência do legado de Suassuna. O argumento final sobre o julgamento do homem simples, que busca sobreviver em um mundo de desigualdades, permanece no cerne da história e reforça a atualidade do texto original. A celebração da astúcia e, sobretudo, da amizade de João Grilo e Chicó transcende qualquer contratempo técnico ou narrativo e consolida “O Auto da Compadecida 2” como uma homenagem afetiva à obra original. Talvez o medo de errar tenha sido maior que a vontade de acertar, mas ao se trabalhar com uma joia tão preciosa, às vezes esse é o melhor caminho a traçar.

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